Sexta-Feira, às 6:00 (outubro de 2013)

Dobrou à esquerda no primeiro sinal. Depois acelerou até o fim da rua, onde a rua encontrava-se com uma grande avenida. Obedecendo ao primeiro sinal na avenida, parou o carro – logo atrás de um grande, imenso ônibus sanfonado ao meio; lotado de passageiros. Pensou repentino Tonico: “Preciso voltar a escrever poesias.”.

O ônibus demorava para mover-se. Então, fez sinal que o ultrapassaria à esquerda e pisou no acelerador. O horário era ruim, próximo das seis horas da tarde de uma sexta-feira, mas o trânsito então surpreendia: não estava lento. Os automóveis prosseguiam com uma marcha sonolenta, mas, devagar e sempre, não havia engarrafamento na via.

Havia a ponte. Diminuiu a marcha como os outros carros, assim que se aproximou da gigantesca estrutura de concreto. Logo na descida da ponte, como de costume, havia uma batida da polícia de trânsito. Não estava em velocidade acima do permitido; entretanto, por puro hábito seu reduziu a marcha, e o mesmo fizeram todos os outros carros.

Dobrou à direita na primeira esquina depois da ponte. Reduziu mais uma vez a velocidade e brecou antes do primeiro quebra-molas. Enorme. Havia outros quebra-molas como este na pista e, por isto, redobrou a atenção antes do segundo quebra-molas. Feito isso dobrou novamente à direita e contornou a praça.

Antes de dobrar novamente à direita na terceira rua, acendeu um cigarro. Depois, abriu as janelas dianteiras do veículo e tentou sintonizar alguma coisa no rádio – o que foi inútil, já que a antena externa estava danificada há meses e ele protelando para levar o carro ao conserto para consertá-la. Desligou o rádio.

Com a mão esquerda pendurada do lado de fora da janela, dirigiu quase parando por toda a rua até o final, onde estacionou em frente a um velho sobrado de dois andares. Uma frondosa árvore, cujos galhos ameaçavam o telhado do pequeno sobrado, emprestava sua sombra para Tonico e o velho Chevette caramelo.

Tonico suspirou contente por estar de volta em casa. Bateu a porta com força e ligou o alarme do carro clicando em um pequeno objeto acoplado à chave do carro. Abriu a porta do sobrado que dava para um minúsculo jardim. Do lado de dentro, aproveitou o instante para checar a caixa de correspondências.

O exemplar semanal da revista chegara. Também, no mesmo rol de coisas, viu que chegaram as contas de água e de luz e, além destas, uma carta de sua mãe e alguns folders de propaganda de construtoras de edifícios. Pensou Tonico em sua mãe: “Quem mais, esses dias, ainda se dá o trabalho de enviar cartas? Não há o e-mail?”

Segurando toda a correspondência na mão esquerda, apalpou os bolsos da calça em busca da chave da porta da sala, que dava para a entrada do sobrado; que dava para o jardinzinho. Encontrada a chave, abriu a porta e pôs-se então a assoviar. Queria, dessa forma, – para o caso de haver alguém em casa – anunciar a todos sua chegada. Inútil.

Tonico era casado com Maria Inês e, com esta, tinha dois filhos. Em um dia como este, final de uma semana puxada de trabalho, não costumava encontrar ninguém em casa. No final do dia Maria Inês às vezes buscava os dois meninos na creche e levava-os para tomar sorvete na praia. Por este motivo, Tonico não se assustou pelo fato de estar sozinho em casa.

Já na sala de tevê, ligou a televisão no noticiário e sentou-se no sofá. Retirou um e depois o outro sapato; pondo os dois pés em cima da mesinha de centro do ambiente de televisão. Com o controle remoto na mão, ajustou o som e mudou de canal; parando no canal de notícias. Pensou novamente, com algum pesar: “Preciso voltar a escrever poesias”.

Em um dos móveis da sala, um porta-retratos exibia a fotografia dos quatro. Sentado onde estava, Tonico podia ver ao longe uma fotografia sua e de Maria Inês; tendo à frente os dois filhos. Em cima da mesinha do porta-retratos estava toda a correspondência e a revista. Levantou-se para pegar a revista.

O noticiário estava deveras maçante para ele. Por isso, trocou a tevê pela revista: Não desligou a televisão, mas concentrou toda sua atenção na leitura. Lembrou-se de telefonar para um amigo, confirmando o jogo de bola na manhã do outro dia, mas mergulhando na leitura da revista esqueceu-se do amigo.

A capa da revista trazia o desenho de um dragão e a manchete estampada, sem nenhum pudor: De volta o dragão da inflação. Tonico abriu a revista ao meio, na seção das colunas sociais, escapando por alguns instantes da leitura da manchete da revista. Nas colunas sociais, celebridades: Casaram-se umas, outras se divorciaram, e alguém acabara de rodar um filme.

Mais à frente, na mesma revista, notícias sobre o desvio de verbas na construção de estádios para a copa de futebol. Depois, O depoimento de um policial sobre esquemas de corrupção dentro da corporação. Seguindo algumas páginas adiante, uma reportagem sobre o último cd de Cat Stevens, conhecido como Yusuf Islam. “Quem é Cat Stevens?” Pensou Tonico.

Um ruído de chaves na fechadura vinha da porta da frente. O barulho arrancou da revista a atenção de Tonico, fazendo-o levantar-se do sofá. Esperava ansioso, havia muito – desde quando chegara em casa – os dois filhos e Maria Inês. Abaixou o volume da televisão, e foi até a porta de entrada da casa, onde encontrou-se com os três.

Abraçou primeiro o filho birrento, que chorava muito e colocava para fora do nariz o filete de um rio de meleca. Com seis anos, era o mais novo. Maria Inês pôs-se a explicar: “Ele queria sorvete e pé-de-moleque. Eu respondi que, ou era um, ou era o outro. Daí começou a chorar.” O outro filho, que parecia gostar da situação, sorria. Tonico o abraçou também.

Foi a vez de Maria Inês receber um afetuoso abraço. Depois, ela desvencilhou-se de Tonico, na obrigação que tinha de levar os dois filhos para o banho. Subiram as escadas os dois filhos e a esposa de Tonico. A casa, outra vez, ficava um tanto vazia e um pouco fria. A televisão, embora no volume baixo, se fazia presente, onipresente. “Preciso voltar a escrever poesias.” – pensou.

Leo Marques
Enviado por Leo Marques em 09/11/2013
Reeditado em 15/11/2013
Código do texto: T4564021
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2013. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.