Viva lembrança

Aprimorar a paciência requer alguém que nos faça mal e nos permita praticar a tolerância.(Dalai Lama)

Ela acenou para o jovem amigo, rapaz alto, de olhos e pele negros, que admirava por sua suprema educação e largo sorriso.

Era dia de sua diplomação do ginásio, e ela estava radiante por ter sido cumprimentada pelos professores por seu boletim impecável de melhores notas.

Estava vestida com sua roupa mais bonita: uma bela saia azul turquesa e blusa branca tão alva que parecia nuvens do céu.

Sua mãe soubera através da vizinha, sobre o aceno que fizera para o jovem amigo, e ficou exaltadamente colérica.

A festa ainda não tinha acabado, mas sua mãe estava inconsolada e já não encontrava distração com os amigos. Era pura e Viva repugnância.

Antes mesmo do fim da festa, proferiu em tom de voz elevado pelos filhos, e tomaram o caminho de volta para casa.

Quando já próximos de casa, um pequeno riacho os obrigava a tirar o calçado para atravessá-lo. De posse do seu tamanco português, a mãe em gesto de arrebatamento lançou-se furiosamente a dar pancadas em sua cabeça. Tanto bateu, até não mais ser possível enxergar fiapos branco da blusa, e fazendo-a garantir que jamais arriscaria outro olhar para o jovem negro. A blusa fora guardada em lugar apropriado, como prova da promessa feita.

Anos passaram, e a educação reprimida recebida da mãe afastou-a completamente da vida dos amigos.

A vida ficara sem graça e sem perspectiva de dias melhores. Foi quando um rapaz recém chegado para visitar parentes nas redondezas de sua casa assanhou-se quando a viu, e em gesto arrebatador disse estar enamorado.

A mãe severa não permitia que ela saísse de casa para conversar com rapazes, e os encontros casuais se passavam na casa da vizinha.

Não mais de duas semanas em férias, ele olhou fundo em seus olhos, e quis saber se ela aceitaria se casar.

Ainda tonta pelo caminhar dos acontecimentos, ela nada respondeu, e apenas sugeriu que ele a escrevesse.

Ele insistente, escreveu-a apaixonadamente uma semana depois de partir.

Ela não mais suportando o rigor maternal, aceitou o casamento. Tão logo realizado o acontecimento, mudou-se para terras distantes.

O tempo lhe ensinou que as aparências muitas vezes enganam, e descobriu no marido um homem opressor.

Tivera cinco filhos, mas o amor não mais fazia parte daquele casal.

Sua vida era preenchida pelos cuidados com os filhos ainda pequenos, e pelas visitas freqüentes que fazia à igreja do bairro.

O marido tornara-se alcoólatra e ficara acometido de grave doença, não resistindo por muito tempo, vindo a sucumbir.

Vinte anos passaram, os filhos cresceram não mais precisando de certos cuidados, dando liberdade a ela de participar mais ativamente dos trabalhos voluntários da paróquia.

Muita viagem curta fazia levando vida e esperança aos pobres miseráveis, que careciam de tudo, especialmente de atenção. Essas visitas a enchiam de alegria por saber que esta mesma alegria ela estaria compartilhando com tantos carentes.

Uma grande surpresa a aguardava, quando levava alimentos para uma casa de pequenas crianças órfãs. Atravessou à sua frente, um rapaz que a fez transportar-se no túnel do tempo. Era ele de pele negra, cabelos levemente agrisalhados, e sorriso fácil, que igualmente a reconheceu tão logo a viu. Trocaram algumas palavras corridas, prometendo encontro em outra oportunidade e relembrariam aqueles longínquos tempos do ginásio.

Naquele dia, ela voltou para casa especialmente feliz e irradiando alegria, não somente por tê-lo reencontrado, mas principalmente pela liberdade de poder falar com ele livre da tirania familiar.