Depois da Escuridão parte 2

Primeiro Encontro.

R A U L

“Você morrerá em vinte e quatro horas”.

Raul ainda se lembrava de como a garota sussurra essas palavras em seu ouvido. Ele se lembrava do hálito adocicado, cheiro de manacá, e do timbre convidativo. Raul se lembrara dos olhos cor de mel, da pele sedosa e branca, da postura graciosa, da trança no cabelo, do nariz afilado, e do desenho do lábio, um beijo perfeito. Ela apareceu em seu quarto e disse as palavras em seu ouvido, enquanto dormia e foi isso que o fez despertar. Raul teve medo por um segundo, mas, logo se acalmou diante de tanta beleza. Quis conversar, mas a garota ia rumo à janela, abriu-a e se sentou. Só então ele percebeu que ela estava descalça. Quando perguntou seu nome, ela abriu os abraços e caiu para trás como quem se deita numa cama quando cansado demais para tirar a roupa e os sapatos, mas, não havia cama, não havia nada, só o vazio. Ele se levantou o mais de pressa que pôde, mas chegara tarde de mais, a garota já havia se jogado.

Raul teve dúvidas se deveria se aproximar da janela e olhar para baixo ou se corria para o telefone para acionar uma ambulância, ou a polícia, ou...

Ele teve muitas dúvidas. Por fim, se moveu, olhou para baixo e então desejou não ter feito. A garota não estava lá.

Ele voltou para cama somente depois de passar horas tentando encontrar uma explicação para o que havia acontecido, mas todos os seus pensamentos eram insanos. Ninguém acreditaria no que havia acontecido, então, não seria boa ideia contar sobre o incidente. Porém, quando sua mente parou de dar voltas em busca de respostas, ele tremeu. A garota esteve ali para avisá-lo que iria...

_ “Morrer em vinte e quatro horas”.

O sono não vinha. Raul até contou carneirinhos, mesmo assim o sono não vinha, e ele não conseguiu dormir. Concentrou-se em esperar o sol entrar pela janela e invadir seu quarto.

T E S S A

Tessa não gostava muito de seu “emprego”, ela sempre se envolvia de mais e no final nunca conseguia executa-lo como devia. Acreditava e defendia a ideia de que as pessoas não precisavam saber em que momento morreriam, pois, ou viveriam em função da morte, ou cometeriam todo tipo de loucura em busca de salvação para suas vidas. Mas, dessa vez, ela tinha que acertar ou perderia o privilégio de andar entre os vivos e visitar seus entes queridos. Ela nunca aceitara bem sua morte, fora cruel de mais a forma como a roubaram de si, como lhe tiraram a vida. Porém, parou de contestar, haviam ordens superiores e ela não cometeria o mesmo erro que a mensageira anterior. Aceitou a missão de ser mensageira da morte por que era a única forma de se sentir perto de casa.

_ E então? Você cumpriu com o seu dever? _ Uma voz amarga ecoava por todo espaço.

_ Sim! Já avisei ao garoto. _ Tessa respondeu à voz. Ela girava em torno de si mesma, como se tentasse direcionar sua fala a um ponto específico.

_ Espero que tenha sido clara dessa vez. O garoto deve estar pronto, não queremos ter problemas de novo.

Tessa parou de rodar, sentou-se ao chão e fechou os olhos, mantinha uma postura ereta de como quem entrava em um estágio espiritual de meditação, quando os abriu já não estava mais no mesmo lugar nem ouvia mais aquela voz. Falar para o vazio incomodava, não saber como era o rosto com o qual conversava a deixava desconfortável e angustiada. Sentia que era vulnerável e que mais uma vez poderia ser surpreendida, a dona daquela voz poderia a qualquer momento roubá-la de novo, como já havia feito antes, e essa possibilidade poderia se tornar real a qualquer momento. Nunca pensou que pudesse temer algo mais, então essa possibilidade apareceu para perturbá-la e se tornou o pior de seus medos.

“Não posso falhar”. Tremeu quando repetiu para si mesma e então ouviu em resposta ao seu pensamento aquele timbre amargo repetir a frase: _ “Espero que tenha sido clara dessa vez.”

_ Fui clara como água. Mas quem consegue estar pronto para morrer? Disse para si mesma.

Tessa se recompôs, ela precisava manter o foco, precisava se certificar de que o garoto entendera seu recado e para isso seria preciso trabalhar, mexer algumas peças para que se cumprisse o destino. Ela se lembrou de como era uma ótima jogadora de xadrez e naquele exato momento uma ideia chegara em sua mente, arquitetou seu próximo movimento, e então, se foi, rápido, o tempo era seu inimigo e ela já havia perdido algumas de suas peças no tabuleiro.

C O N T I N U A . . .

Héryton Machado Barbosa
Enviado por Héryton Machado Barbosa em 27/10/2013
Código do texto: T4544822
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