Anjos existem?

Lá pelo Natal de 1976... Estávamos em três de uma família de cinco e sabíamos que diferente dos outros anos o nosso natal não seria muito concorrido, meu pai tinha saído de uma grave enfermidade e as finanças tinham ficado todas nas mãos dos médicos e remédios, mas como sempre o Natal seria nosso de nossa família. É sempre assim que me lembro dos natais em minha casa paterna... Natal com pai, mãe, irmãos e vizinhos. Nesse ano pelas dificuldades monetárias a festança da noite do natal tinha sido em casa de vizinhos e o dia seria em casa nós três e claro, nossos cachorros Luane e Myneia e o nosso gato Mimo.
Algo, porém, aconteceu que mudou aquele dia...
Meu pai que sempre acordava tarde levantou-se ao raiar do dia banhou-se, tomou seu café e disse - vou dá uma volta por ai.
Pouco menos de duas horas estava de volta, mas não sozinho trazia ao seu lado alguém que devia ter lhe contado uma piada engraçada porque os seus olhos sorriam e ele foi falando cheio de alegria - olha quem encontrei e quem vai passar o dia de natal com a gente! O meu amiguinho... O amiguinho dele, mesmo não sabendo precisar exatamente sua idade devia ter uns 10, 11 anos, estava descalço e parecia fazer um bom tempo que não tomava banho, as roupas estavam lanhadas de barro, lama e pensei naquele momento que o cabelo dele devia ser cortado e que lhe devia cortar também as unhas. E o achei mesmo assim lindo e cheio de brilho próprio, tinha feito meu pai sorrir.
Bom... Faxina geral - banho, cabelos, roupas lavadas, unhas cortadas e tudo com alegria e carinho... Minha mãe (Bastinha era a senhora carinho). Tomamos café pela segunda vez com ele e vi que ele se comportava bem apesar da sofreguidão com que comia, penso que devia estar com muita fome. Almoço, brincadeiras e conversas... Em nenhum momento nem uma palavra sobre os pais, até tentamos mas percebemos que aquele era um assunto proibido. Segundo ele andava pela ruas de diversos bairros e tinha ido parar naquela cidade por acaso...
Nosso natal naquele ano foi realmente diferente, foi um dia e tanto e já nos tínhamos acostumados tanto aquele ser que ao final da tarde  já pensávamos onde o colocaríamos para dormir. Foi quando ele chegou sério junto da gente e disse: obrigado, já vou. Sabíamos que não tinha discussões. Ele ia como tinha vindo.
Meu pai deu-lhe algo e ele disse obrigado Senhor amigo. E meu pai disse obrigado a você amiguinho... Você nos deu muito mais do que recebeu...
Saiu e ficamos olhando ele descer a avenida até desaparecer... E nosso natal tinha terminado.
Nunca mais soube notícia e até a última vez que falei dele com o meu pai o chamamos de amiguinho... Hoje descubro que em nenhum momento naquele dia perguntamos o nome dele e nem ele o nosso!