Uma carta singela (julho de 2013)

“Mãe, escrevo para dizer que está tudo bem. Mando um beijo e um abraço para o Nei e para a Kelly e, por favor, diga a este meu irmão e esta minha cunhada que, quando puder, telefono. Como estão indo minhas duas gracinhas, o Caco e a Dinha? Diga a eles que, se forem bem no colégio, tirarem boas notas, o tio vai mandar um presente para cada um dos dois.”

“Fui a duas entrevistas de emprego na segunda-feira da semana passada, mas até o presente momento não obtive retorno. Não ponho muita fé nessas entrevistas – sabe Deus o quanto é difícil conseguir um emprego bom na cidade grande – mas tenho outras entrevistas marcadas para esta semana e, então, não vou desanimar facilmente.”

“Tudo bem com os estudos, com a universidade. Vou para o quarto semestre do curso para bacharel em direito e estou confiante. Se as circunstâncias se repetirem como no primeiro semestre, só vou ter nota boa para compartilhar com vocês e com o pessoal aí de casa. Não esqueça mesmo de falar com o Caco e a Dinha, fala que quero só nota boa, tudo igual ao tio.”

Um bom-moço é o que ele era. Túlio desabou de cansaço, ao lado da carta que escrevia, já tarde da noite. Foi estudar na cidade grande e, com regularidade, escrevia uma carta para sua mãe, irmão e sua esposa, e para os sobrinhos. O pai era falecido e, então, esta era toda sua família. A mãe, em troca, enviava dinheiro para dar conta das despesas na cidade. Tinha 22.

Suas cartas eram recebidas com alvoroço: sua mãe era a primeira a dar o alerta. Avisava os vizinhos e, é claro, comunicava a toda família. Dona Marisa lembrava-se até mesmo de alertar o falecido marido que, em suas preces, ela estava certa de que ele lhe escutaria. Túlio era o bom-moço que mais orgulhava a família porque, bacharel em direito, é o que seria.

Dona Marisa, sua mãe, nunca se queixou do dinheiro (contado, nota por nota, resultantes das economias na pensão que recebia do falecido e de parte do dinheiro das toalhas que ela tecia e vendia na feira de artesanatos nos finais de semana). Dona Marisa enviava todo o dinheiro que por ventura Túlio precisasse e viesse a pedir a ela, sua mãe.

Muito cansado, nosso herói levantou-se da pequena escrivaninha de seu quarto e arrastou o corpo até o banheiro. Passava-se da meia-noite de uma segunda-feira e teria aula bem cedo no dia seguinte. Enfiou o corpo debaixo do chuveiro frio, para ver se assim livrava-se da tensão nos músculos, que tomava conta de todo o corpo naquele momento.

Pensou, “Talvez seja por culpa da carta que acabei de escrever, não sei, mas fico tenso assim sempre que tenho que escrever para casa.” O fato de escrever para casa era praticamente uma obrigação, principalmente porque estava silenciosamente relacionada ao envio do dinheiro que Túlio necessitava para suas poucas despesas.

Não tinha vícios, não fumava e bebia apenas socialmente. Mas não podia abrir mão das empadinhas que comia na cantina da esquina de sua casa. Não era muito bom de cozinha, o que o forçava a comer pela rua. E isso custava dinheiro... portanto a necessidade de cultivar um vínculo bonito mas, quase neurótico com sua mãe e o restante da família.

Tulho tinha, conscientemente, medo da perda da “mesada” (de fato, não havia quantia fixa que consubstanciasse uma mesada, mas havia uma remessa regular de dinheiro), medo de ver-se sozinho para arcar com as despesas de aluguel do minúsculo apartamento quarto e sala – que dividia com um amigo em uma área nobre da cidade.

Mas, um bom-moço é o que ele era porque, de verdade, amava seus dois sobrinhos: Ricardo ou Caco para os íntimos; e Catarine (para os familiares, Dinha). Caco e Dinha já estavam na primeira escola, um no primeiro ano (ele), e o outro no segundo ano (ela). Caco contava oito anos de idade e Dinha nove. Adoravam o tio e tudo queriam saber dele.

Como não poderia ser diferente, Túlio enviava-lhes diversos presentes. Uma vez, enviou um elefante cofrinho para Dinha; enquanto de outra vez enviou um livro de colorir junto com um estojo de trinta e seis cores de lápis de cor para Caco. Entretanto não queria ser o pivô de brigas em torno dos presentes que enviava para as crianças. Ciúmes nem pensar!

Sempre que podia, telefonava para o irmão e para a cunhada para saber do desenrolar das estórias em torno dos presentes recebidos por seus sobrinhos. Contavam-lhe tudo. Nei e Kelly lhe disseram uma vez que os presentes de brincar faziam mais sucesso que cadernos para colorir; mas que os meninos gostavam de tudo que ganhavam.

Segundo os dois, os meninos às vezes brigavam acerca de algum brinquedo – queriam trocar a todo custo – mas em geral tudo terminava bem, com uma boa noite de sono, abraçados aos mimos que recebiam. Nei e Kelly eram pessoas muito simples e, então, agradeciam com velas acesas para Túlio em agradecimento a tudo o que Túlio fazia por seus filhos. Um bom-moço.

Correu a toalha de banho por todo corpo. Deu o primeiro passo para fora do chuveiro e correu a toalha pelos cabelos molhados e eriçados. E deu o segundo passo para fora do chuveiro. Olhou-se no espelho e observou uma pequena espinha inflamada na bochecha esquerda. Passou de leve a mão sobre a região, mas resolveu não mexer para não causar um ferimento.

Uma janela do apartamento vazio estava aberta e um vento frio entrava inclemente. Deu dois saltos do tapete do banheiro até a janela da sala e a fechou, mas não sem dar uma olhada. Saulo, seu companheiro de apartamento (dividia o apartamento com ele) ainda não havia regressado de um chope com amigos no centro da cidade. Viria logo? Túlio foi vestir-se.

“Vou tirar a barba e preparar-me para dormir. Durmo pronto para começar amanhã o dia.” – pensou Túlio. Um pequeno incidente com a lâmina de barbear cortou-lhe o queixo de canto a canto. Túlio observou atentamente o sangue que escorria do ferimento desde o queixo até o funil de água que vertia tudo em despojo. Sangrou bastante e, por isso, a água ficou tingida.

Medicado o ferimento com um curativo, Túlio apagou as luzes da sala e do banheiro e pulou na cama. Passava-se da uma hora da manhã e no outro dia acordaria cedo para os estudos. Ainda levantou da cama para colocar a carta que escrevera dentro de um envelope, mas logo estava de volta dentro das cobertas. Antes de apagar a luz e dormir pensou em sua mãe.

Leo Marques
Enviado por Leo Marques em 30/07/2013
Reeditado em 13/07/2017
Código do texto: T4412430
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