BULLYING (Série Palavras Proibidas)

Feia, esquisita, doida. Acostumara com esses adjetivos que, desde a fuga da mãe, saltavam da boca do pai como cantigas de matar. Não chamava palavrões. Não só não os chamava, mas ficava transtornada quando ouvia. O quê? Além de feia, chama palavrão. Com quem você aprendeu isso?Tenha vergonha na cara, menina. Tire essa roupa, vamos! Agora! Vou pegar a bacia pra lavar essa nojeira do seu corpo aqui mesmo. A violência daquele banho não fora apagada apesar dos seus franzidos seis anos de idade. Ao ouvir quaisquer daqueles palavrões, o tormento bocejava. Não demorou para que os inimigos da escola percebessem essa fraqueza da adolescente e todos os dias, na hora do recreio, faziam um coro pornopolifônico onde ela estivesse: PoRRA, puTA, vaDIA, PORRA, puta, VADIA, PoRrA, PuTa, VaDiA, porra, PUTA, vadia, porrA, putA, vadiA. Ela contorcia-se, tentava se controlar, tapava os ouvidos, mas as vozes abafadas ficavam ainda mais parecidas com a do pai. Chorava.

Acordara atrasada. O pai no banheiro. Saiu sem tomar banho, café nem o comprimido de todo dia. Chegou à escola trêmula, mas intimamente feliz. Sentia-se estranha. Uma liberdade perigosa. No recreio, decidiu não sair da sala. Eles entraram: PoRRA, puTA, vaDIA, PORRA, puta, VADIA, PoRrA, PuTa, VaDiA, porra, PUTA, vadia, porrA, putA, vadiA. O ódio guardado por todos esses anos varou o olho de um dos meninos. O sangue cobriu o amarelo que restou do lápis na mão de Alcidésia. Ela olhava a mão, o colega sem um olho, todos a gritar. E tudo era pânico. Rapidamente o pânico despiu-se, era justiça, ódio, rancor. Lembrava-se da cara do pai, suas mãos a esfregar-lhe violentamente o corpo. E a caneta azul também provou da tinta vermelha que agora jorrava da barriga do garoto cego. A adolescente loucamente sorria e repetia os palavrões: PoRRA, puTA, vaDIA, PORRA, puta, VADIA, PoRrA, PuTa, VaDiA, porra, PUTA, vadia, porrA, putA, vadiA. Tirou a roupa. E banhou-se no vermelho que cobria o chão.