Meditação

O mestre costumava falar em enigmas com seus discípulos. Por isso, ao cair da tarde, eles se encontravam a debater a respeito de qual seria o ensinamento que o mentor acabara de lhes indicar. Um por um emitia um juízo como costumavam fazer, de maneira que todos interpretavam o que foi dito, sucessivamente. Este exercício não tinha a finalidade de se chegar a uma conclusão verdadeira e última a respeito de nada. Alguns diziam que era apenas uma conversa interior. Outros, que era para enriquecer o raciocínio, de maneira a estendê-lo ao maior número de possibilidades. O mestre, porém, nada explicava, nada ensinava. Apenas criava enigmas e os proferia.

Cada encontro de cada tarde deveria ser num lugar diferente. O mestre era um senhor de longas décadas e não suportava rotinas de espaço, pois que as do tempo, se não eram inevitáveis, ele costumava dizer, eram pelo menos mais passíveis de se submeter. Por isso todos os encontros deveriam ser na metade das tardes de domingos, sendo um domingo a cada seis meses. O local a ser escolhido, no entanto, comporia o enigma proposto pelo sábio.

Quando ele chegou seus três discípulos já haviam se reunido em cima de uma pedra gigante, suspensa no ar. O mestre era silencioso, mas não pedia silêncio. Esperava que todos acalmassem seus ânimos a fim de dar início à sua concisa palestra. Por um momento, olhava ao redor e respirava profundo, olhava demorado ao céu num gesto que lembrava certa reverência a alguma divindade. Olhava profundamente nos olhos de seus discípulos e começava a recitar seus enigmas como que entoando um canto. Naquela tarde, tal foi o canto que ele entoou:

- Nos sentamos na solidez da pedra, suspensa na fluidez do ar. Como pode uma pedra que é densa e imóvel flutuar?

Ao cabo destas poucas palavras o mestre se levantou e saiu, abandonando seus seguidores à meditação. Após uma hora de absoluto silêncio, cada um fazia sua interpretação.

Diego, o pequeno, versou sobre as seguintes possibilidades:

- Vejo um paradoxo em suas palavras e o propósito de nos colocar justamente neste posto: procuramos uma situação de conforto ao nos sentarmos na beira do abismo. Nós amamos o ar que é necessário à nossa existência, pois amamos nossa existência. Tanto amamos nossa vida, amigos, como amamos também a morte, pois uma não existe independente da outra. E, proporcional ao desejo da vida é o desejo de morte, pois tanto mais a vida corre mais curta e passageira...

Cirilo, o atleta, rebateu:

- Ao nos colocarmos sobre a pedra e proferir sobre o ar, o mestre certamente nos atentou para os quatro elementos. Que temos então? Terra e ar como elementos naturais presentes neste ambiente e nós, corpos humanos animados, somos o fogo e também a água. Somos o sopro da vida, e através de nossa matéria o ciclo natural vital se completa. O fogo representa nosso ânimo, a chama viva que nos trouxe aqui e não em outro lugar, como também poderia ser, mas foi assim porque assim o desejamos; a água é o fluido do solvente natural universal, do qual depende a existência da vida na Terra.

Paulo, o andarilho completou:

- Provavelmente não estamos a debater sobre coisas essenciais. Quem poderia guardar a chave da existência, desvendar todos os segredos do mundo e da vida? O mestre nos trouxe até essa pedra para estourarmos nossos pulmões e ouvirmos os ecos de nossa própria voz. Gritemos! O vento que faz voar nosso cabelo também seca a nossa saliva e resseca nossas lágrimas, leva para longe nossos rumores, os traz de volta, para que escutemos nossa própria voz. Finalmente, que podemos ser diante da grandiosidade do universo? Que entendemos nós de finitude? De infinitude? E, caso venhamos a entender, que podemos nós contra ou a favor disso? O tempo se esvai, e estamos confusos. Pensemos. Cada qual se agarra no quinhão que lhe couber, com a força que é sua, proveniente de sua respiração, de seus músculos, de seu ímpeto. Esta pedra, que é dura e aparentemente imutável, já foi um dia parte de algo maior e impenetrável do ponto onde agora nos serve como apoio, como um solo flutuante nos ares da indagação. Que sabemos nós de nós ao menos, então? Tão pouco, que viveríamos uma vida e mais outras até, a nos esquecermos que o essencial é unicamente a vida. Que a vida não se explica, não se integra, nem se entrega: apenas passa e perdura pra sempre. Passemos.

Todos abanaram suas cabeças em sinais de concordância. Quando se foram, o sol já havia se posto.