Um giro na vizinhança (maio de 2013)

Chegando à primeira esquina reduzi meu passo. Tateando sobre os bolsos da jaqueta encontrei o que restava do maço de Derby: dois últimos cigarros. Logo, teria que parar em algum lugar para comprar cigarros. Era domingo, próximo das duas horas da tarde, mas algumas lojinhas de conveniências ainda estavam abertas. Por isso saí de casa.

Não havia sol e o dia amanhecera nublado. A despeito disto, algumas pessoas retornavam de um dia de diversão na praia. Eu caminhava pelo meio destas pessoas, na avenida beira-mar da praia mais conhecida da cidade. Algumas pessoas, sonolentas, no momento em que atravessavam a avenida, não reparavam a cobertura de areia que as envolvia desde a praia.

Havia também aqueles que demonstravam pressa, como se tivessem algum compromisso inadiável. Corriam em meio aos carros para chegar a algum lugar. Algumas famílias atravessavam apressadas a avenida de mãos dadas. Outras pessoas, solitárias, caminhavam linearmente sem demonstrar alegria. Estas, diferente das outras, seguiam de cara amarrada.

Fiz sinal de que iria atravessar a avenida, para que os carros parassem. Não que eu intencionasse atravessar distante da faixa de pedestres, mas é que por aqui os motoristas ainda não incorporaram em seu dia-a-dia o dever de parar diante das zebrinhas desenhadas no asfalto. Antes de atravessar a faixa de pedestres, é necessário sinalizar a intenção de fazê-lo.

Do outro lado da rua, um posto de gasolina e uma lojinha de conveniências. Havia avistado de longe a minha oportunidade de comprar cigarros antes que ficasse sem nenhum. Depois de sinalizar a travessia, segui lentamente até o posto de gasolina. Na lojinha, forcei a porta para dentro para abri-la e fui direto até o caixa. Comprei logo dois maços.

Dei meia volta, passando primeiro o olhar nas manchetes de jornal dispostas em frente do caixa, e então saí da loja. Começara a ventar e as pessoas que resistiram na praia começaram a levantar-se e a fechar os grandes guarda-sóis. A praia ia ficando pouco a pouco vazia. Olhei de um lado ao outro da avenida e pensei no meu destino: rumo a casa.

Nesse instante, parado do outro lado da avenida, direção oposta do calçadão, passou rapidamente uma menina pequena vestida com uma camiseta de clube. Era a camiseta do flamengo. Com a mão dada ao que eu compreendi ser seu pai, na mão direita trazia um pequeno catavento que girava com muita força ao ritmo da ventania.

Um grão de areia entrou em meu olho neste instante e ele começou a arder. Parei antes do sinal de travessia para pedestres e tentei (em vão), retirar o grãozinho. Eu abria e fechava as pálpebras rapidamente, na esperança em que o grão de areia pudesse saltar fora do meu olho, mas parecia entrar cada vez mais fundo. O olho chorava e nada de me ver livre do grãozinho.

Finalmente, um golpe de vento – sem areia – aparentemente me ajudou a me livrar do grão de areia. Tenho certeza de que o meu olho estava tão vermelho quanto a camiseta da menina que acabara de passar por mim. O meu rosto estava grudento, com uma mistura de lágrimas e a areia que vinha da praia. Limpei-me com o braço da jaqueta.

Tão logo me desvencilhei do incômodo, pus-me a caminhar em direção de casa. Havia comprado os cigarros e agora podia retornar para casa. Juntei-me a um grupo de transeuntes e atravessei a faixa que levava para uma rua dentro do bairro. A caminhada pela beira-mar terminava aqui, deixando para trás muito vento e a areia da praia.

Dobrei a primeira rua à direita, passando rente a um hotel, e prossegui na calçada até o final. Presenciei um assalto um pouco antes do final da rua. Uma senhora já idosa se debatia com um marginal. O rapaz jovem, não mais que quinze anos, segurava com força sua bolsa e não dava sinal de largá-la. A mulher gritava muito, mas ninguém a acudia. Tinha uns oitenta anos.

De primeiro, senti medo de levar um tiro do marginal. Mas logo atendi a um impulso interno e gritei, “solta ela, solta ela!”. Depois fui me aproximando e o rapaz, quando sentiu que era inevitável minha presença, deixou a bolsa cair e fugiu em disparada. Assim que cheguei perto da senhora turista, muito vermelha e assustada, ela me agradeceu dezenas de vezes.

Era hóspede do hotel no começo da rua – aquele que eu havia deixado para trás – e esta era sua primeira visita à cidade. Vinda do interior de Minas, distante do mar, logo que chegou aqui ficou fascinada com ele. Havia conhecido três praias e havia visitado as ruínas de uma igreja. Achou tudo encantador e estava muito empolgada ao narrar-me as aventuras de turista.

Pedi desculpas pelo assalto, disse que não é tão comum assim esse tipo de coisa, que foi um grande azar aquele. Ela, que de vermelho rubi (muito nervosa), já havia voltado à sua tez natural, não se cansou de agradecer-me novamente. Fez menção de me dar uma recompensa, mas, é claro, não aceitei.

Desvencilhei-me da senhora depois de um grande abraço e de beijos molhados. Disse que tinha que ir porque alguém (uma pessoa), esperava em casa, eu estava atrasado, e já se passavam das três horas. Era mentira, e só eu sabia – não havia ninguém lá em casa e meu maior compromisso era com a TV – mas tenho que confessar que detesto beijos molhados.

Para evitar encontrar-me com o marginal, fiz um trajeto diferente: Cortei a próxima rua pela direita e aumentei o passo em uma longa avenida de padarias. Era incrível aquela avenida, pois havia galetos assados rodando em frente de todas as mini churrasqueiras das cinco ou seis padarias daquele pedaço. Galeto e macarronada? É comida de domingo.

Acendi um Derby e traguei lentamente, com muito prazer. Nesta altura já havia terminado a travessia da avenida das padarias e me aproximava rapidamente da rua de casa. Não era pertinho andar até minha casa, uma vez que também morava em uma extensa avenida – de edifícios coloridos por pastilhas de cerâmica e pequenos azulejos – e um tráfego intenso.

Tenho 27 anos e vivo sozinho com o meu gato Adamastor. Neste domingo, além da programação televisiva, vou distrair-me com o bichano. Não tenho ninguém para chamar de meu ou um único amigo, mas, não tenho nenhuma queixa dessa minha disposição para a solidão: Gosto de ser assim e foi neste ímpeto que abri o portão de casa e subi as escadas. Fui.

Leo Marques
Enviado por Leo Marques em 28/05/2013
Reeditado em 13/07/2017
Código do texto: T4312726
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