Mudanças...

Ela não saberia como aconteceria. Mas, simplesmente, aconteceria.

Como todos os dias ela chegava pontualmente ao trabalho. Arrumava sua mesa – clipes e grampeador próximo ao estojo com canetas, no lado direito.

Talvez se soubesse que aquele dia não fosse como todos os outros ela acordaria mais ansiosa, até mesmo um pouco nervosa. E triste provavelmente triste.

Mas ate aquele momento seu dia permanecia o mesmo, fora chamada para uma reunião na sala do chefe juntamente com ele. Ela gerente de marketing. Ele gerente de produção. Totalmente opostos. Entretanto ela já havia se acostumado com sua grosseria corriqueira e com sua arrogância e pretensão diária quando precisavam se reunir na sala do chefe.

Até aqui tudo ok. Nada de extraordinário até o fim da conversa administrativa que tiveram juntos com seu chefe. Depois disso, algo novo. Ao sair da sala ela precisou ir a sala dele para pegar alguns papéis.

Ela nunca havia entrado na sala dele. Mas já que estava ali notou a organização da sala e, principalmente, a foto dele e mais duas crianças na mesa. Além disso, notou mesmo sem perceber que ele estava menos arredio e arrogante, despretensioso. Ele até sorriu ao ouvi-la fazer piada da limpeza da sala e do movimento bobo que fez com as mãos e a cabeça. Isso, sim, era novo. Totalmente novo. Mas passou despercebido para os dois.

Chegando o fim da manha ela percebeu que precisava almoçar quando ouviu em alto e bom som seu estomago já gritando por comida. Rapidamente guardou suas coisas e seguiu em direção ao elevador, inclinando sua cabeça para o lado, e, com um suspiro sem intenção, observou que ele ainda estava em sua sala e continuou o seu caminho.

Nesse momento ela lembrou que seu namorado chegaria de viajei no fim da tarde e seria bom se usasse a hora do almoço para planejar alguma surpresa para ele. Por isso ela resolveu comer só um lanche em uma lanchonete perto do trabalho.

Quando já estava de saída uma frase solta sobre a sua pressa chamou sua intenção. Era ele com sua usual pretensão. Mas desta vez, como o dia já estava para coisas novas em sua vida, ela não se irritou. Até mesmo se divertiu e caminhou com um pouco mais de pressa algumas quadras a frente de onde estava até chegar a um supermercado. Pretendia fazer um jantar surpresa para o namorado.

A relação dos dois estava peregrinando, como sempre, muito tranqüila. Ela sentia por seu namorado algo muito forte e sabia que nunca faria nada para magoá-lo e nem ele. E isso a deixava satisfeita.

Como ele havia viajado há uma semana há trabalho na cidade vizinha, ela resolveu, como uma forma de recompensa, por uma semana de ausência, fazer uma surpresa para ele. E um jantar naquele momento era o ideal, pensava ela enquanto caminhava entre as gôndolas do mercado escolhendo o que cozinhar mais a noite.

Apressou-se ao olhar o relógio, faltava pouco tempo para terminar a hora de almoço e tinha muito que fazer no trabalho. Precisaria fazer tudo com mais rapidez que o habitual se, realmente, quisesse fazer um jantar para o namorado.

E assim, ela vez. Apressou todas as atividades que tinha para fazer, planejou uma campanha de marketing para empresa, definiu os mix de produtos para abertura de uma nova loja e planejou juntou com a produção as embalagens de alguns novos produtos que seriam lançados.

Chegando o fim do dia sentia-se satisfeita com o que havia feito até aquele período do dia, que já se encerrava com o por do sol e uma leve brisa mais fria que o habitual. Observou ela ao sair do trabalho e seguir em direção ao apartamento do namorado. No caminho para a casa do namorado, mesmo sem perceber começou a avaliar sua vida. Parecia satisfeita com a vida que tinha. Havia se formado há pouco tempo, estava se estabelecendo no trabalho e ganhando o respeito de todos, só precisava mesmo melhorar as coisas com o namorado para ficar realmente feliz.

Ela tinha consciência da responsabilidade que tinha nesse relacionamento, apesar de nos últimos tempos dar pouca atenção a esse namoro. No entanto ela também recebia pouco e não havia cobrança de nenhum dos lados, os dois apenas coabitavam o mesmo espaço e sentiam um grande apreço e carência mútua. Aquilo para ela era amor. Verdadeiro e complacente. Quem não o quer, não é verdade?

Seus pensamentos foram interrompidos no instante em que chegou ao apartamento do namorado e conduziu-se a cozinha cheia de sacolas e colocou tudo sobre a pia. Olhou o relógio e viu que precisava se adiantar. Meia hora seria o suficiente para fazer o jantar e preparar uma mesa para dois. E assim ela fez.

Este tempo deu para colocar o macarrão no fogo, fazer o molho branco que o acompanharia e que tanto ele gostava, juntamente com as fatias de peito de peru levemente douradas.

Feito isso seguiu ate a mesa arrumou tudo com muito capricho. Pegou o vinho branco e acendeu as velas para dar um toque mais romântico á aquela noite.

Com tudo pronto ela subiu as escadas para ir ao quarto do namorado e se arrumar. Chegando lá observou que porta não estava trancada, achou estranho e diminui os passos, pisando levemente. Um pouco receosa abriu a porta e viu seu namorado entrelaçado com uma moça na cama – comprimiu os olhos, tentando não chorar e nem fazer barulho. Para ela tudo havia acabado ali naquele instante. A confiança. A segurança. O Amor que, inocentemente, julgava ter.

Ela não fez nada, não o acordou, não gritou. Apenas suspirou fundo com grande pesar, fechou aporta levemente e desceu as escadas. Chegou até a sala, um pouco tonta, aproximou-se da gaveta do cômodo ao lado do sofá onde se postava um abajur, pegou um pedaço de papel e uma caneta e teve forças apenas para escrever: “eu estive aqui, e vi”

Seguiu em direção a porta sabendo que nunca mais entraria por ela, pensando que não queria mais passar por um dia como aquele, esperando que todos os outros dias fossem como o de ontem, não o de hoje.

Saindo do saguão e já na rua esbarrou sem querer em um homem:

- Me desculpa

- Você sempre tem a necessidade de ser gentil e educada?

Ela reconheceu aquela voz. Era ele. Aquele ele que ela notou diferente do que todos os outros dias em que trabalhavam juntos.

- Da mesma maneira que você tem a necessidade de ser arrogante e pretensioso? Não. Tem dias que estou de mau humor também.

Aquele ele que seria o responsável de fazer nascer nela um sentimento totalmente novo, e tão pequeno que ela nem notara, mas que ele já sentia há um tempo.

- Então provavelmente há dias em que eu não seja arrogante e pretensioso. Você não concorda?- indagou.

Um sentimento que cresceria nela a cada dia. Até que um dia os dois pudessem entendê-lo como amor.

- Pode ser que hoje eu concorde – disse sorrindo, meio triste.

Toda pequena mudança que ocorrera durante o dia a levara aquele instante. Mudanças pequenas. Grande. Dolorosa.

- Você me parece chateada – notou ele, deixando-a surpresa

- E você me parece gentil – disse espantada – o que é novo pra mim.

- Então é um dia de novidade para nós dois, porque nunca te vi triste e com voz embargada de....choro?

- É. Mas não quero entrar nesse mérito.

- Tudo bem. Um drink para entrarmos em outros méritos então?

- Isso seria meio inapropriado em outro momento – disse pensando na imagem que havia visto há poucos instantes atrás – mas agora você acertou em cheio.

E as novidades que aquele dia preparou para ela não acabaria por ali.

- Então vamos por aqui – apontou a direção de um restaurante próximo

- Adoro aquele lugar, sempre peço aquela torta com brigadeiro preto branco como sobremesa – disse o acompanhando.

- Eu também. Estava indo lá para isso.

- Você mora aqui perto?

Ele apontou para o prédio a frente.

- E nunca te vi por aqui?

- Já te vi algumas vezes entrando no Obleide Plaza.

Ao acordar naquela manhã, ela não sabia, mas entrava em uma nova jornada. Era hora de ela ser feliz de um jeito diferente. Mais real.

- Hum. Isso e novo pra mim – sorriu um pouco dolorida – e nunca me cumprimentou?

- Não somos íntimos.

- Mas somos colegas de trabalhos – disse ela espantosamente risonha

- Da próxima vez cumprimento

- Hum... essa é a ultima vez você me vê entrar nesse prédio – disse ressentida

Apesar da felicidade que a encontrou vir escondida debaixo de uma enorme tristeza, um dia ela se daria conta da sorte de ter um dia como aquele. Até riria da dor que incomodava seu coração.

- Talvez da próxima vez entre no prédio da frente.

- A sua pretensão hoje está sendo ate engraçada – disse sorrindo.

- É meu charme. Bem como sua gentileza é o seu – disse ele olhando para ela, observando a sua surpresa ao o ouvir dizer aquilo.

Ela sorriu sem entender a desordem deste dia que vivera. Mas um dia ela entenderia.

Um dia ela entenderia que dias de bagunça e mudanças não são o que esperamos em nossas vidas. Mas às vezes ele pode vir trazendo algo tão bom e que nem imaginávamos ter. Portanto devemos nos permitir a ele, pois não tem como escaparmos dele.

E assim, terminou o dia pra ela e para ele. Ela e ele. Sem nomes. Pois qualquer um pode os ser e assim viver dias como esse.

Até mesmo eu ou você.

Eduardo Magalhães
Enviado por Eduardo Magalhães em 25/04/2013
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