Viagens pelo Ceará XVII

IDEIAS AVENTUREIRAS, MUSICAIS, LITERÁRIAS, MÍTICO-CURANDEIRAS, ENXADRÍSTICAS, TEATROLOGAS E INSANAS... DE MORADORES DO VALE JAGUARIBANO, NUM ANO DE ESTIO.

RUSSAS

Havia sido vendedor de redes em Manaus, fôra pescador de peixe e lagosta, auxiliar de caminhoneiro, garçom, locutor de rádio, tocador de pandeiro. Aí estão algumas das profissões que exercera, mas suas habilidades eram bem mais.

Era um sujeito genuíno, não tinha nada de niilista, tinha alguma coisa de pagão mas isso não o tornava um herege. Cria no bem da humanidade e se dizia cristão, era grande admirador de Voltaire, Victor Hugo e Augusto Comte, figuras que julgava muito importantes da literatura. Idolatrava a figura de Benjamim Franklin, e dizia que estava pra ver alguém pior do que Hitler. Manezin confessava que pensava o mesmo sobre o nazista.

Adejante falava dele mesmo com simplicidade, não era de contar vantagens e demonstrava ser um terno amigo dos animais. O Aldenor o conheçia há alguns anos e acreditava que ele, era ele mesmo o que dizia ser.

Era curto e grosso quando queria, em algumas vezes era de uma brutalidade de pedra, noutras, podia parecer um pobre-diabo de uma ingenuidade santa. Pouco interrogava, mas se o fazia era pra saber no que os outros acreditavam, como havia sido no caso do peixe de nuvem. Aí escutava as respostas com paciência. Não discutia sobre crenças religiosas, mas se alguém lhe pedia opinião sobre assunto que ele dizia conhecer, então a coisa mudava de figura, mostrava o avesso e o direito do caso sem papas na língua.

Era multifacetado nos seus assuntos, podia falar sobre a canonização de um santo e logo em seguida descer para uma cena escabrosa de libidinagem, na maior cara de pau. O Aldenor o achava com feição de antítese e dizia que isso era muito humano. Em dias de bom-humor, Adejante se tornava um neutro que suportava lero-leros, podia perfeitamente se tornar intolerante em alguns momentos se não estivesse de bem com a vida, mas esses seus contrastes não lhe ofuscavam o brilho.

Suas definições, convicções e opiniões haviam feito por onde merecer a atenção e apreço do barbeiro. Este, não sabia se ele era mesmo sincero em tudo que falava, mas se o Adejante não sabia em profundidade o que dizia, ao menos demonstrava a grande convicção dos que se amparavam em alguma verdade, era direto, claro, sem subterfúgios.

Era incompreendido por alguns outros irônicos que o tinham na conta de sabichão e ele sabia disso, mas, não era de malsinar ninguém, não se metia em polêmica por contra própria, mas se se encontrava no meio de uma, era porque vieram cutucar a onça com vara curta. Havia dias que se encontrava quebrantado no bar e ele se limitava a sorrir tomando a sua caninha, às vezes e isso era raro, o encontrava fumando um cigarrinho. Não era de se queixar, demonstrava mesmo grande saciedade, dizia que não nunca havia gostado de querela, nem mesmo quando era novo.

Que havia nascido com tendência ao labor, e havia tirado grande lição de uma história que um seu tio havia lhe contado.

- Nisso já eram umas sete da noite e estávamos saindo do museu do centro cultural. Eu me achava disposto a ouvir mais ainda a descrição do Aldenor, mas ele devia estar cansado e eu também precisava botar em ordem minhas coisas daquele dia. Acertamos para continuar a conversa no dia seguinte. Agradeci a ele pela boa receptividade e o caso que estava me contando. Antes de nos despedirmos lhe disse que na manhã seguinte eu ia sair pra novas fotos e que à tarde apareceria pela barbearia.

Jantei espaguetti numa pizzaria e me dirigi a pousada. Havia uma porção de coisas pra fazer, guardar as fotos, escrever e manter contato com os conhecidos pela internet. No dia seguinte, liguei pro moto-taxi e fomos pros lados do vilarejo de São João de Deus, de lá seguimos para a localidade de Jardim de São José. Fiz muitas fotos de casas e árvores antigas.

Ao chegar na pousada por volta das onze da manhã, meu telefone tocou e era o Aldenor me convidando para almoçar com ele no bar do Antonio pois lá estavam Adejante e Manezim. Aceitei prontamente e ao meio dia eu estava chegando na barbearia. O bar do Antonio ficava perto e oferecia em seu cardápio cozidos de carneiro e galinha caipira. Por lá chegando fui apresentado aos dois conversadores. Eles estavam por ali para almoçar e senti que o momento não era ideal pra puxar conversa. Eu soube pelo Aldenor que os dois estavam naquele local quase todas as manhãs, e que eu poderia chegar mais cedo e conversar tranquilamente com eles. Durante o almoço, ficamos em mesas diferentes, fiquei a observá-los discretamente e me vinha à lembrança as passagens que Aldenor barbeiro havia me contado sobre eles.

No bar do Antonio, comi demais o guisado de carneiro e ainda tomei uma caninha como aperitivo. Naquela tarde dormi até depois das três.

Cheguei na barbearia já eram umas quatro horas e o Petronio estava lá. Antes de iniciamos a primeira partida de xadrez, ele foi me dizendo que havia trazido o seu artigo sobre o jogo e me passou as quatro folhas. Agradeci e perguntei quanto custava o material, não era nada. Disse-me que os seus poucos escritos estavam num site, cujo endereço estava na última folha do artigo e que tudo era de graça pra quem quisesse imprimir, sentia grande satisfação em compartilhar suas preferencias e ideias.

Por incrível que pareça jogamos quatro partidas, ele ganhou duas e eu duas. É prazeroso jogar com um bom parceiro. No xadrez existe uma harmonia que é coisa da natureza do jogador onde se sente nos gestos e movimento das peças, se está havendo comunhão ou somente pura rivalidade onde a rixa está no ar. Naquele final de tarde saímos os três, Aldenor, Petronio e eu, paramos no calçadão da praça onde existe lanchonetes e bares e é separado por um corredor cercado por carnaúbas. O clima estava convidativo pra uma boa conversa. Na praça, que recebia em cheio a viração da noite, naquele momento se podia ver revoadas de papas-capim e pássaros pretos que têem o costume vir pernoitar nas árvores dali. Paramos para saborear uma cervejinha, nisso direcionei a conversa para os dois curiosos que eu havia conhecido no almoço. Relembrei ao Aldenor que ele na noite anterior ia me falar sobre um conto que Adejante havia ouvido de um tio e que esse conto foi quem reforçou a dedicação do barbudo pelo trabalho.

O Petronio tomou a palavra e disse que se tratava de um conto de Malba Tahan por nome de “a primeira rúpia” e o Aldenor pediu para o Petronio me contar a história.

Obs:Tenho publicado somente no recanto das letras uma auto-biografia, meu primeiro livro, cujo nome é “Fascinado por chuvas”. Já este texto que voce acaba de ler é parte do meu segundo volume, cujo título e subtítulo pode se lê acima.

Caso essa seja sua primeira leitura desses contos, sugiro que leia desde o primeiro capítulo para uma melhor compreensão e proveito. Atenciosamente

Agamenon violeiro

Agamenon violeiro
Enviado por Agamenon violeiro em 08/04/2013
Código do texto: T4229565
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