Almas humanas

Constantemente aquele casal que já chegara aos sessenta, viajava para uma cidade serrana, onde possuíam fazenda, e aproveitavam para cuidar dos animais. E para perfeita relaxação, tiravam leite das vacas e escovavam os cavalos que eram seus chamegos.

Eles formavam um casal que sugeria ser exemplo para os demais, por todas as razões que envolvem duas pessoas.

Viviam em harmonia, e eram gentilmente elegantes um com o outro.

Cavalgar era o maior prazer do casal. Cada qual tinha seu corcel preferido. O avermelhado era da mulher e ela mesma escolhera o nome de Soberano. O branco pertencia ao marido e se chamava Coronel, também eleito por ele.

Quando chegava a hora de montar, percebia-se indizível emoção. Era paixão antiga da época que a fazenda fora adquirida.

Montar retratava claramente o prazer de recrear o espírito para aqueles dois amantes.

Em passo lento e cadenciado, eles conduziam seus animais afastando-se meia distância, talvez tomando fôlego. A partir daí, Soberano e Coronel assumiam a direção das pradarias aumentando velocidade, como se voassem, tais às águias. O vento varria seus cabelos, naquela planície sem fim.

Quando o dia começava a declinar, eles despontavam no horizonte, trazendo no rosto a alegria da meiga infância, e descansavam numa noite de puros sonhos.

Mas a vida na cidade os esperava, e mais uma vez tinham que deixar o campo, onde estavam seus compromissos, família de seis filhos, obrigações civis, sociais e espirituais.

A filha mais velha que se casara fazia algum tempo, estava grávida, trazendo muita alegria para todos da família.

A mãe sempre zelosa que fora com os filhos, passara a ajudar à futura mãe dando todo o suporte necessário, ficando impedida assim de viajar com mais freqüência à fazenda, porém não impedindo do marido lá ir, pois necessário era acompanhar os acontecimentos.

A saudade que ele sentia da mulher fazia-o ligar com frequencia, enquanto lá permanecesse, e repetiam-se todas as vezes em que as viagens aconteciam.

Mesmo atormentado pela saudade, cada vez mais ele ia alongando sua permanência na fazenda e demonstrando a ela o desejo de fazer dali a residência principal, pois cansara da cidade.

Com a filha recém no parto, ela continuava ali ajudando nos cuidados com seu netinho, e avisara para ele, que aguardasse um tempo mais.

Numa tarde em que acompanhava a filha e o netinho ao pediatra, recebeu uma mensagem no celular, vinda do marido. Ela pediu licença e foi ler a mensagem, contando ser importante.

A mensagem dizia assim: Nosso casamento acabou. Estou com nova companheira.

A filha percebendo algo irregular correu para acudi-la, antes que ela perdesse o prumo e fosse ao chão.

Aquela seca mensagem demorou em ela compreender que os anos de convivência e cumplicidade, paixão, juras de amor eterno, sonhos construídos juntos, inclusive uma linda família, Fê-la ver pela primeira vez, o quão desconhecido era aquele homem, que não teve a elegância de terminar um casamento de trinta e cinco anos olhando em seus olhos, como fizera quando se casaram.

Algum tempo depois, ele reapareceu, jurando arrependimento e pedindo a reconciliação, porém, firme e com singular elegância a ela peculiar, desprezou-o afirmando não mais ter o desejo de conhecê-lo, já que os anos vividos juntos não foram suficientes para saber quem ele era.

Ela seguiu sua existência sempre presente na vida dos filhos e também dos netos que foram chegando e aumentando a família, enchendo de alegria o coração daquela carinhosa avó.

Continuou a participar de grupos espirituais com amigas onde buscava renovação de suas forças e na contínua luta de ensinar ofícios às famílias desvalidas, para que pudessem ir à busca de oportunidades e ganhos decentes.