Foto de minha saudosa Vó Benvinda, a tecelã que contava histórias.

Sentada ao tear, atarefada entre linhas e lãs coloridas, Vó Benvinda tecia uma linda colcha.
— Vó conta um causo?
—Mariinha, já ti falei!  Toda pessoa que conta causo de dia e benze de noite, cria um rabo comprido que nem de quati?
—Credo, Vó! É verdade?
—Eu nunca me arrisquei, só faço benzição de dia e conto causo só dispois que o sol esconde.
À noite em volta do fogão à lenha, um punhado de netos ansiosos esperavam Vó Benvinda se acomodar em seu banquinho.
—Conta um de assombração!
—Não, desses eu tenho medo...
—Conta de princesa...
—Não, história de princesa é para meninas, aqui tem mais menino home do que menina muié.
A discussão entre os netos era interrompida pela avó:
—Se ocêis continuá nessa fuzarca ieu vô drumi e num conto causo ninhum. Hoje vai sê de onça e coelho.
Todo mundo ficava feliz e ela começava:
A onça e o coelho nunca combinaram muito bem. A encrenca começou quando ele fez aquela aposta com os macacos... Disse  que daria  uma volta por toda a floresta montado na onça, como se ela fosse um cavalinho. Usaria até esporas e arreio e depois ainda amarraria a onça numa árvore. Os macacos duvidaram e a aposta foi feita.
O Coelho esperou um dia de forte ventania. Então mandou os macacos se esconderem nos galhos a fim de o virem cumprir o trato.
Foi no mato e sabendo que a pintada o espreitava atrás de uma moita começou a     cortar muitos cipós. Onça é um bicho muito curioso, não aguentou e foi logo perguntando:
—Bom dia, Cuêio, pra mode quê ocê tá cortano tanto cipó?
—Uai, a sinhora num tá sabeno ainda não?
—To não, mi conta as novidade, sô!
—É que o mundo vai acabá em vento e ieu tô mi privinino né?
—Qui cê vai fazê Cuêio?
—Vô cortá muito cipó e vô me amarrá numa arve bem grande, assim quando a ventania vié cabano com o mundo, só vai sobrá essas arvona, e tano amarrado numa, ieu fico protegido. Só ieu vô iscapá.
—Ocê tem que mi amarrá tamém, ieu num quero morrê não!
—Ihhh... Posso não Dona Onça. Ieu tô cum muita pressa, já cumeçô a ventá! —Disse o coelho se fazendo de desinteressado.
—Mas Cuiêo, nóis é amigo ou num é? Cê vai dexá uma mãe de famia qui nem ieu, morrê assim?
—O cipó dá pa amarrá só um de nóis... Si ieu amarrá a sinhora no meu lugar o vento me leva... Ieu até podia morrê no seu lugá... Se a senhora me atendesse um úrtimo desejo...
—Faço quarqué coisa, desde qui ocê me amarre naquele jequitibá, o maior dessa mata.
Em troca de ser amarrada na árvore a onça concordou que o coelho lhe colocasse arreios, cabresto e deixou que ele calçasse até esporas.
Abismados os macacos não entenderam nada quando viram o coelho ganhar a aposta galopando pela floresta nas costas da onça pintada mais brava daquele lugar.
 Depois do passeio ele apeou, tirou o arreio da onça, piscou para os macacos e foi cumprir a promessa. Os macacos arregalaram os olhos quando viram a onça se deixar amarrar na grande árvore.
Aposta ganha o coelho se embrenhou na floresta. Não podia estar por perto quando o mundo continuasse são e salvo e a Dona Onça descobrisse que havia sido enganada por ele.
Dizem que até hoje se escuta os urros de brabeza dela quando se lembra do coelho e da vergonha que passou diante da bicharada.

Entrou por uma porta e saiu por outra, quem quiser que conte outra!
 
Assim Vó Benvinda terminava um causo e ao mesmo tempo lançava um desafio para o próximo. Porque as histórias nunca fecham as portas, elas nos abrem a alma. Como os personagens, vivemos cada momentomudamos de roupa, de pele, ouvimos ou não os conselhos dos mestres, erramos, e acertamos... Responder ao chamado da aventura é nosso destino.

Ouvir ou ler histórias é, afinal, uma boa companhia nas noites mais frias e chuvosas. Enquanto o sono não vem...
 

*Dedico às queridas amigas Nete Brito e Anita D Cambuim, aniversariantes do dia 20 de janeiro.
Vó Benvinda também era  do mês de janeiro.

 
                               




                                      
                                             
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A  história foi escrita para o Exercício Criativo. O tema de hoje é "Enquanto o sono não vem" Leia os outros autores e seus textos. Acesse o link abaixo:

http://encantodasletras.50webs.com/enquantoosono.htm
Maria Mineira
Enviado por Maria Mineira em 21/01/2013
Reeditado em 21/01/2013
Código do texto: T4096326
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