Expedita e Auxiliadora (novembro de 2012)

Em uma tarde ensolarada como outra qualquer, a enfermeira depara-se com sua irmã desaparecida. Trabalhavam as duas no mesmo pavilhão de um hospital e, havia mais de duas semanas, não se viam. Não adiantara que telefonasse para ela, pois ninguém atendera. Surpresa, perguntou Expedita, assustada: “Auxiliadora? Qual foi a última vez que te vi?”.

Completou por sua vez Auxiliadora, enquanto passava atentamente os olhos pela papelada de procedimentos de enfermagem do momento: “Estava na casa de Wilson.” e ainda acrescentou, “Precisava muito de mim e, por isso não vim trabalhar; mas já resolvi tudo com a direção e,dada a qualidade de meu trabalho, vão desconsiderar minha ausência desta vez.”

Expedita anuiu mas, muito nervosa, reagiu segurando Auxiliadora pelo braço com força, “O que é que lhe passa pela cabeça, minha irmã? Isso não se faz... não atender um telefonema meu... o que é que você achou que aconteceria, ausente de todos por duas semanas inteiras, sem nenhuma notícia? Tome tino, tenência! Isso não se faz minha irmã! “

Expedita odiava Wilson – para ela o verdadeiro responsável pelo comportamento de Auxiliadora. Depois de Wilson, o namorado eternamente desempregado de Auxiliadora, esta havia se transformado como da água para o vinho. E que vinho amargo este, que comportamento repreensível (apostava que mentia), algo nunca antes visto por Expedita!

Havia mais ou menos dois anos que Auxiliadora – em uma manhã bonita como esta – recebera no trabalho um buquê de flores coloridas. Logo, não tardou, e Auxiliadora chamou Expedita para que visse a beleza que recebia. A irmã nada lhe disse, mas pôs-se prontamente de alerta. Alguma coisa haveria de estar errada neste acontecimento: “Flores no trabalho? Aí tem!”

Meses depois de iniciado o namoro, Wilson convidou Auxiliadora para uma viagem nas montanhas do Chile. O pacote turístico incluía uma visita aos museus de Santiago, saída à noite pelos bairros de boemia, e depois no hotel das montanhas muita neve e ski. Em algumas happy hours, teriam noite de drinks e mesas de frios abertas para hóspedes.

Na noite seguinte, ao encontrar-se com a irmã, Auxiliadora lhe narrou o acontecido. Estava muito feliz, era só sorrisos. Expedita preferiu não falar nada, mas estava estremecida. Para ela, Auxiliadora estava em um sonho alto acima das nuvens e, talvez, não suportasse a queda do mundo dos sonhos na dura realidade. Por isso e outras coisas, Expedita odiava Wilson.

Sim, Expedita amava a irmã mas odiava este intruso, odiava Wilson. Foram formalmente apresentados quando Auxiliadora e Wilson comemoravam um ano de namoro. Expedita foi muito educada e sorria muito, mas não conseguiu enganar o esperto Wilson. Depois daquele dia, Wilson passou a denunciar que Expedita não gostava dele de verdade. Ela o antipatizava.

Questionada por Auxiliadora, que a pôs contra o muro, Expedita negou tudo. “De onde tirou tal ideia? Talvez não tenhamos tempo ainda para nos conhecer um ao outro, mas é só isso; talvez, verdade seja dita, talvez eu tenha ciúmes da minha irmã caçula, mas não há nada que haver com antipatia! Que é isso!” Exclamou Expedita.

Todos os dois anos de namoro de sua irmã passaram como um filme em sua mente. Aos poucos foi recobrando a realidade e despertando para o que fazia - praticamente pendurada no braço de Auxiliadora - naquele instante no corredor de um imenso hospital onde trabalhavam vários dias por semana. Auxiliadora mirava a irmã estarrecida, mas sem palavras.

Entretanto, foi Auxiliadora mesma quem rompeu com o silêncio: “Larga o meu braço, está me machucando!” E então puxou o braço das mãos de Expedita com força. “Não importa para você se eu estava sequestrada, perdida, ou nos braços de Wilson. No fundo, você não gosta mesmo é de mim!” Continuou Auxiliadora. Já Expedita, balançava a cabeça em desacordo.

“Desculpe.” Disse Expedita com remorso. E concordando com Auxiliadora, “Acho que eu e Wilson precisamos conversar um dia desses.” Mas reiteirou que, se lhe passava um sermão, era para o seu próprio bem. Não estaria certo a irmã desaparecer por duas semanas sem um único telefonema, nem mesmo para os diretores do hospital onde trabalhavam.

Disse Expedita, “Desde que viajaram para o Chile, havia aproximadamente dois anos, Wilson não deu nenhum sinal de que fosse uma pessoa confiável, que quisesse o teu bem. Viajar do nada, estando ele desempregado – você se lembra de me dizer isso – lá estava Wilson já a desvirtuá-la do caminho profissional.” E prosseguiu firme Expedita:

“Ele gasta o dinheiro por conta de uma conta bancária generosa, recheada de dinheiro que seu pai deposita todos os meses, na expectativa que o filho esteja matriculado em uma faculdade.” “Você não se lembra de me haver falado a respeito?” “Mas agora, vocês dois passaram dos limites! Você diz que ele precisava de você e que, por isso, faltou ao trabalho?”

Auxiliadora, confrontada com os argumentos, não conseguiu abrir a boca ou direcionar-lhe um olhar. Auxiliadora não conseguiu olhar nos olhos de sua irmã porque, provavelmente, sua irmã tinha razão. Preferiu, então, puxar a irmã para si e dar-lhe um abraço. Aproveitou para desfeixar-lhe um beijo na face. Expedita e Auxiliadora se apertaram com força.

Abraçaram-se por trinta segundos e, durante todo o tempo, contiveram suas respectivas lágrimas. As irmãs tinham mais motivos para se amar que motivos para permitir que a discórdia viesse a se instaurar entre elas. As duas fizeram o gesto de agradecer mas, algo parecia impedir que o fizessem. Seria melhor deixar selar o amor com o beijo, e nada mais.

Começou Auxiliadora, com a voz embargada e os olhos úmidos de choro, “Você sabe que tem razão no que diz, sabe que o Wilson não é feito de puro ouro; porém você tem me abordado sobre ele nesses dois anos de relacionamento de forma muito doce e gentil. Você, apesar do que pensa sobre ele, consente em calar-se cada vez que se veem, e eu valorizo muito isso.”

“Não!” Cortou-lhe o discurso Expedita, “Não, não é verdade e me desculpe. Sei que sou dura demais com ele e com você, mas é que me causa arrepios este tipo de relação que vocês dois levam adiante e...” Interrompeu-lhe Auxiliadora: “Vamos trabalhar?” Respondeu-lhe Expedita: “Sim, dá-me mais um beijo e vamos.” Separaram-se, cada qual para seu canto, e ao trabalho!

Leo Marques
Enviado por Leo Marques em 20/11/2012
Código do texto: T3995591
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