O guardião dos sonhos
Nos preparativos para a mudança, ele o encontrou, o amigo fiel de tantas noites frias: azul claro, com ursinhos bordados na vira de cetim. Não sabia o que fazer. Guardar onde? A casa para onde iam era muito menor que a atual. Doá-lo? Todos os sonhos infantis entranhados na lã delicada morreriam sem a sua conexão, a única que lhe dava sentido.
Deitou-se na cama e cobriu-se com ele. Não chegava à metade da canela e seus pés 42 pareciam desproporcionalmente grandes, olhando por aquele ângulo bizarro. Tudo mudara tanto que não conseguia fazer um inventário das perdas e conquistas: num átimo, sentiu saudade do caminhãozinho de plástico que tanta terra carregou no quintal, do cachorro que morreu atropelado, das viagens à casa da avó onde uma jabuticabeira carregada o esperava. Ridículo! Não fazia sentido, não podia fazer. Praticamente formado na faculdade, um estágio promissor e a namorada o olhando e sorrindo a partir do mural repleto de fotos...
Isso mesmo. Levantou-se de um pulo e, ato contínuo, sacou de seu celular. Imortalizado numa foto, o cobertorzinho da infância continuaria guardando seus sonhos. Não colado no mural, mas dentro de alguma gaveta, segredo concentrado de uma saudade fora de hora.
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Este texto faz parte do exercício criativo "Cobertor Curto"
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