Tempos Secos.

Um dia a gente faz um som...

As coisas estão quentes por aqui. Cinqüenta e sete dias sem chover. Parece que tudo vai pegar fogo. Os lagos, quase secos, fazem com que os peixes saltem na fervura. As pessoas se escondem nas sombras. A preguiça é generalizada, essencial, questão de sobrevivência. A filha dorme, mas resmunga de calor. Os pernilongos atacam vorazmente. A mãe chora quieta num canto. Não se sabe o porquê. O homem ficou corcunda de tanto cortar cana. Não ganhou quase nada, além de dores. O outro, de tanto datilografar e digitar e escrever e grampear, teclar, ticar e resmungar, hoje não consegue erguer um copo para beber água.

O homem trabalha e pensa vencer as finanças do próximo mês. É muito leite, muito remédio, muito médico, pouca comida, muita fome, insônia maldita, muito tudo para pouco rendimento, para poucos nervos. Tudo vai explodir de repente... Não, não, não pode sair ao sol o dia todo, o câncer está pescando lá fora, e seu anzol alcança longe. Muitos são devorados diariamente, impotentes com o que dizem ser o destino.

O sol mata, meus amigos, é preciso passar protetor solar diariamente. Mas quem tem dinheiro suficiente para comprar protetor solar? O creme é caro pra cacete! Deveriam incluí-lo na lista da cesta básica. E também a cachaça, a rapadura e a pasta de dentes. As pessoas precisam de um pouco de cuidado. Não como a maioria largada na terra, como aquela velha da vida que arrasta sua longa prole e aparenta ter mais de setenta, mas nem chega próxima dos cinqüenta. A vida é cruel demais e não enxerga traumas, curvas, dores diárias e mortes trágicas e solitárias, em cavernas, ruelas, leitos abandonados e camas solitárias de humildes residências periféricas. A morte vem e abraça no calor e deixa seus rastos num último suspiro que levanta a poeira do quarto barato de uma pensão no centro velho.

Muitos idosos vão sucumbindo à sequidão do agosto e suas tragédias. Não suportam e têm as artérias secas por falta de esperança. Os velhos deliram porque não precisam mais compreender porra alguma. Estão cansados e choram ou vivem a rir de tudo, toda esta palhaçada que os homens inventaram para se distraírem e preencherem seus dias de jardim de infância. Elegem suas fantasias e brincam de homenzinhos, ora trabalhadores, pais e santos, amadores, vereadores, executivos e otários, os homens de farda, homens da corja, homens sem nada e homens estourando de tantas coisas inúteis.

Os velhos, de acordo com suas vidas e costumes, bem ou mal vividas, tendem aos comportamentos que produziram para tal. Uns enlouquecem para obscurecer a miséria de sua vida passada. Outros, não menos loucos, passam o fim de seus dias levantando fatos e boatos dos supostos atos grandiloqüentes que perpetraram, conquistas magistrais e honrarias miraculosas auferidas durante sua passagem por este plano terreno. Os homens são orgulhosos e se acham.

Do outro lado do mundo, no fundo do quintal de uma casa situada nas proximidades da área urbano de uma pequena cidade do interior do Brasil, uma senhora sessentona torce o pescoço de uma galinha a fim de preparar seu cadáver para o jantar, enquanto que ao lado, na fornalha de ferro fundido, fervilha um caldo grosso de sabão, elaborado com a gordura de um cão esquálito que, por ironia do destino, deu bobeira na frente da velha, que preparou uma feijoada de cachorro e sódio para limpar as roupas e os pecados de toda a família composta por nove filhos anêmicos, mas que, mesmo pobres de dinheiro, ostentam a dignidade como riqueza. Para esta senhora não existe tempo para pensar em outra coisa, sua vida é a batalha do dia a dia, que não pode parar...

SAvok OnAitsirk, 10.09.12.

Cristiano Covas
Enviado por Cristiano Covas em 10/09/2012
Reeditado em 10/09/2012
Código do texto: T3874783
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