Blanchard

- Você é muito imediatista com as coisas. Sempre tem urgência. Não funciono nesse sistema.

- Não é imediatismo; é esse seu sistema que é lento demais, obscuro demais.

- Mas é algo que não posso ir contra. Entenda.

- Então entenda o meu lado também.

- Eu entendo. Só não te forço a mudar.

- Eu te forço a mudar?

- Você vive me pressionando. Um raio de segundo absorto faz com que mil perguntas pipoquem nos seus olhos.

- Como você é... "Centro do mundo". Caiu dentro de uma cópia do seu umbigo cheio de espelhos e não consegue sair.

- Mas cai no meu umbigo e dentro dele é que aprendi a conhecer o que sou. Dúvidas existenciais com a expectativa alheia passam ao largo das minhas retinas e das minhas preocupações.

- Ah, claro. O Senhor Auto-Suficiência!

- Na medida do possível.

- Esse jeitinho de quem está mais preocupado com o tipo de pão que vai escolher no Subway do que com os sentimentos das pessoas próximas e que te querem bem ainda vai te colocar no pior balde de merda da sua vida, numa merda tão densa e fétida que vai te fazer odiado e estigmatizado pelo resto dos seus dias, sabia?

- Você trocou a decência por rancor, amor. Esses seus mimimis hiperbólicos é que te farão findar desse jeito. Ninguém suporta alguém que sofre desequilíbrios emocionais tão intensos por coisas tão pequenas.

Tapa na cara.

Aí as pessoas estão passando à volta. É apenas a entrada de uma Estação de Metrô às oito da noite. A realidade cai sobre ambos os ombros como um peso a ser carregado ad infinitum. Um círculo vicioso de amor, ódio, sorrisos, mágoas, perguntas incisivas e respostas evasivas.

- Cansei. - Disse ela, reticente, se afastando em direção às escadas rolantes. Manteve a cabeça sobre o ombro, descendo, olhando-o até sumir de vista.

Ele soltou um muxoxo de desgosto, meneou a cabeça olhando o cadarço desamarrado, olhou as antenas piscando no topo dos prédios e suspirou: não sentia nada.

Botou os fones no ouvido e pôs-se a caminhar a esmo, sendo açoitado pelo vento frio e pela angústia dos arroubos niilistas que sempre o assaltavam em momentos cruciais.

09/08/2012 - 18h20m

Rafael P Abreu
Enviado por Rafael P Abreu em 09/08/2012
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