Onde os Cães Também Cantam.

Roendo um osso no chão, num canto sujo de mesa, o cão Barbudo, brilho nos olhos, sem sangue nas veias, olhou pra cima e pediu uma canção.

Os homens, que fumegavam baseados e haviam se embriagado demais, algo como sete ou doze cervejas, duas ou três doses de Jamel ou conhaque Presidente e um ácido lisérgico cada um, não se sabe ao certo, mesmo assim cuspiram, meio assustados, “autos”, boquiabertos, olhares esbugalhados, mãos nos queixos, fedorentos, meio a meio acordando e perguntando de si pra si, ao cão Barbudo, que música era aquela, a ponto de fazer um cão falar? E gargalharam..., e como gargalhavam... Como que se se achassem sabichões alucinados de um mundo louco de bêbados racionais, a ponto de responderem à pergunta imaginária de um cão faminto, e pensaram... E pensavam muito:

“Ah, amanhã quero dizer tudinho pro Jacinto! Ele vai adorar, até sinto, aquele desgraçado! Vai cair na gargalhada e coçar o pinto ao mesmo tempo...”.

O cão, austero feito um “Juiz togado” do TRT de Minhas da segunda legião.., ex-adepto da Coluna Prestes, prestes a se afastar, explosivo, disse em alto e bom tom:

“Bota aquela da Janis Joplin: Summertime”, seus filhos de uma cadela!

Bota aquela da Janis Joplin!”

Todos gargalharam mais ainda. Porém, meio assustados, disseram:

“Eu não tô acreditando! Um cão?

Meu, um cão?

Janis? Quem é ‘essa’ tal de Janis, seu cão imundo? A única Janis que conheço é a Janetinha lá da Quinta do Cobreúva, ‘aquela gostosa’ - ainda falou outro - um fanfarrão”.

Nisso o cão Barbudo se ergueu em suas duas patas traseiras e bradou Summertime! nervosamente, cabelos ao vento, na íntegra, ao vivo!

Um cão cantando Summertime da Janis Joplin, numa rodada de mesa de boteco, numa segunda feira perdida do interior de um lugar qualquer do Brasil, causou arrepios na bunda e até na depressão da mente de uma mula sem cabeça!

E os caras, que não eram nada mais do que meros caras bêbados atabalhoados, mais loucos do que cães caçados pela carrocinha, correram chorando para suas casas, a reconciliarem com suas amadas, pedindo o “peito da mãe”, dizendo que precisavam melhorar e coisas tais...

Em seqüência, novamente solitário, sóbrio como só um cão pode ser, vagando a esmo, continuou a entoar seu monólogo de sempre:

“Meu amor, não desista nunca de teu sonho! Mesmo que as mulas soterradas sobre paineiras apareçam sem cabeça diante tua alma...; mesmo que cães bêbados se reergam do nada e comecem a roer ossos e a cantar Janis Joplin, Elvis, Roberto Carlos ou mesmo entoar poemas de Pessoa, Drummond, Bandeira ou Baudelaire... Saiba que isso é comum! Isso é comum! Isso é normal nos dias dos homens... O que não é comum é a raça humana estacionar... e dizer que não vale a pena tentar um passo a mais..., ‘nômades’ que são!”.

SAvok OnAitsirk, 11.5.12.

Cristiano Covas
Enviado por Cristiano Covas em 12/06/2012
Código do texto: T3719438
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