O legado de L'

Sample do conto "O Legado de L"

Introdução.

Essa noite recebi, para a minha surpresa, um pequeno telegrama me parabenizando pelos vinte e cinco anos que completara no inicio da semana, uma cartinha de um consultório médico que eu visitava constantemente na infância graças à minha incomparável saúde na época e que não mudou muito desde então. Bem, é verdade que nem sequer me lembrava dessa data, ninguém nunca deu importância a isso e eu passei a ignorara-la também, e confesso que foi uma surpresa quase agradável ter recebido isso. Pois bem, decidi que dormiria um pouco mais tarde essa noite, me daria o luxo de gastar um tempo escrevendo e enviando mensagens para os meus contatos no e-mail, nada muito pretencioso, apenas para ter a certeza de que ninguém responderia, afinal, se passaram tantos anos desde que me mudei e não dei mais noticias a pessoa alguma daquela época. E notei, após ter lembrado de tê-lo feito, que realmente não existiu resposta alguma a não ser as que fantasiei em meus sonhos.

Com ou sem aniversário, os dias se passaram na total normalidade de sempre, aquela mesma de: trabalho, casa, trabalho. Nada fora do comum. Creio.

Minha vida nunca tivera nada de fantástico até o ponto em que me lembro, mudei-me para o centro da cidade faz cinco ou seis anos, data de quando meus pais morreram, cinco ou seis anos; A mudança não fora um ato premeditado, apenas não havia razão quaisquer para continuar morando naquele bairro, pensando bem, recordo de uma tal festa de despedida na qual não me lembro de ter comparecido. Isso não é importante.

Já se passara o tempo que poderia dormir, daqui a algumas horas irá nascer mais um dia de rotina. Com o nascer do Sol, uma sensação diferente e dolorida no peito também pareceu brotar no horizonte, era meu presente, um presente. O dia transcorrera até que bem incomum: pessoas insistiam em manter conversa comigo com uma fixação não profissional, daqui e dali vinham perguntas e cumprimentos pelo aniversário que se passara e a cada palavra cortês para o meu lado, a sensação e a dor no peito aumentavam, como estivesse sendo golpeado direto no coração. Após e entre esses momentos de estranheza o trabalho continuava normal, ficava sentado e fechado na minha sala digitando relatórios e de quando em quando olhando lá para quinze andares abaixo por minha janela ou para o céu meio escuro com raios de luz tentando romper as nuvens de chuva que teimavam em não querer ceder ao seu peso e refrescar o dia.

Todas aquelas sensações e loucuras do dia nada mais eram o anúncio do que se seguiria, os passos para um destino premeditado e odioso. O que acontece é que tudo começou naquele momento, o momento do meu fim deste mundo. Deveras nunca me importei com a vida e basicamente não tinha motivos para me preocupar com a morte, ela estava tão presente na minha vida que se tornou nada além de um padrão comum e sempre que eu dizia algo que levava a essa ideia as pessoas me pediam para procurar uma igreja, engraçado, igrejas? Certo, certo, frequentara igrejas quando pequeno, por obrigação, nada notável, quando mais crescido percebi que religião nenhuma satisfazia minhas perguntas e por fim, abandonei-as todas.

Foi no fim do dia em questão, que saí de meu emprego e fui até um restaurante de esquina ali perto, comprei um café e alguma coisa ruim para comer, que só descia com auxilio da bebida, fui novamente até a minha sala, lá no alto, havia esquecido uma pasta com documentos que não poderia deixar para trás, a preocupação com a minha função ‘social’ já estava mecanizada em mim e eu como uma boa ‘máquina’ notei o erro e logo fui a concerta-lo. Um instante passei sentado, logo estava tomado por um mal-estar profundo, o escuro tomou conta do tempo lá fora, as nuvens mostravam sua ira com o derramamento de uma tempestade e raios que iluminavam de quando em quando. Tentei gritar por ajuda, é, tentei, apenas tentei, sem sucesso, a voz não surgia; tudo começara a rodar, as formas se fundiam junto ao tom cinzento de dentro do local de trabalho com o cinza iluminado pela ira da tempestade do lado de fora, os sons começaram a sumir, nesse ponto já estava em desespero, por mais que não temesse nada nessa vida. Logo não havia nada, a não ser meu corpo quase sem vida.

Ariel Lira
Enviado por Ariel Lira em 12/05/2012
Código do texto: T3664461
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