MULHER DE MALANDRO

Domingo no morro, sol de verão, ruas estreitas, estreitas ruas, consequentes vielas, passando por elas, moradores esponenciais que, ano passando ano, crescem mais e mais. Morro do Chapéu Mangueira, confronta com Morro da Babilônia, formam uma só colônia entre Pão de Açúcar, Botafogo e Leme. Domingo, domínio de sol e mar, do alto da favela vê-se paisagem bela, colorido que se perde no ar, mormaço, rede estendida no terraço, cerveja gelada, vida boa na favela que ferve, enfim.

Felícia do Lameirão, mulata bela e forte, mãe de três crianças - João, Joaquim e Maria José - amancebada que é, com Raimundo Nonato, grosseiro que só bicho do mato, mas na cama nada fica a dever.

Felícia do Lameirão, trabalhadeira que só, de segunda à sexta feira, faxineira num salão, ali perto, na Avenida Princesa Isabel, indo à pé se chega lá, desce o morro lá de cima, deixa as crianças com a prima, trabalha que faz dó. Bem que seu João gosta dela, padrinho do filho João, amigo e conselheiro, muito mais que um patrão. Depois da faxina feita, vai Felícia satisfeita de volta pro barracão: roupa lavada na corda, casa limpa, lixo fora, comida feita, tudo pronto, mesa posta, vem Nonato come tudo que tem no prato.

Raimundo Nonato negro forte, teve por sorte um emprego na prefeitura do Rio. Trabalha de dia e de noite caso seja necessário seu préstimo comunitário. No fim de semana então, a coisa ferve na casa, vira até esculhambação.

Às segundas, fim de festa, a lombeira é que resta, vem trabalho pela frente, Seu João, dono do salão, compadre e patrão, tem observado que Felícia aparece com manchas no rosto e nos braços. Dá pouca importância ao fato porque sabe ser Raimundo Nonato violento quando bebe.

Uma segunda feira então, a coisa ficou preta no salão, Felícia toda quebrada, lábios inchados, olho escuro de porrada certeira, pobre coitada mal podia falar.

- Foi Raimundo que me bateu, meu compadre João.

- Se você não reagir, na próxima vez ele vai te matar então! - revoltado, exclamou compadre João.

- Vamos denunciar o celerado e fazer exame de corpo de delito - prosseguiu o compadre - isso tem de parar para sempre! Você não pode virar saco de pancada para um bêbedo sem coração!!! Onde já se viu isso?

- Vamos sim meu compadre João - Felícia mal podia falar.

Apanharam um taxi e seguiram direto para o Hospital Miguel Couto no Leblon.

Era incontida a revolta do amigo e compadre João.

Bem próximo do hospital, vencida a crueza do trânsito, diz Felícia incontida, na maior convicção:

- Meu compadre e querido João: vamos voltar ao trabalho, não quero denunciar meu macho não... e a pica, meu compadre, vou ficar sem a pica de Nonato, macho ingrato mas bom de função?

clira
Enviado por clira em 10/05/2012
Reeditado em 22/08/2017
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