A garota do sino.

O velho sino batia no monastério no topo da colina, era a hora, a mesma da qual todos os dias a jovenzinha sentava para ver o balançar, de cá para lá, do sino de bronze.

Passei a notar que em todas as manhãs e tardes (períodos que mais me agradavam para uma caminhada), sempre estava ali aquela garota, pouco a pouco fui ficando fascinado por aquela pessoa e seu interesse pelo monastério ou o sino.

Dias e dias se passavam até que completado um mês em que passara a reparar aquela pessoa decidi ir sentar-me a seu lado, compartilhar a vista da paisagem com ela; foi assim, numa quarta-feira algo próximo às 7 horas da manhã, sentei-me ao seu lado. Nada, nenhuma reação, eu a observei e tentei dar-lhe um bom dia, recebi apenas um olhar, um estranho olhar, não arrogante, não caloroso, apenas um olhar que perdi quando o mesmo se voltou para a paisagem à frente. Pouco antes do pôr-do-sol voltei e sentei novamente ao seu lado, -Boa tarde!- tentei eu novamente e como na outra vez, nenhuma resposta, apenas um olhar, me retirei então para não incomodá-la. Mas não desisti de saber o que havia de tão especial ali para ela.

Minha curiosidade por alguém que jamais vira antes não era comum, contudo a presença dela todos os dias nos mesmos horários e mesmo local e posição, lado esquerdo do banco que poderia caber três pessoas, tal como rito sagrado. Me enchia de desejo de entender aquilo, iria tentar novamente, agora com um outro foco, afinal, fora para a cidade a trabalho!

Não era uma das melhores manhãs, o clima estava um pouco pesado, o ar que muito úmido soprava em brisas longas e refrescantes; ótimo para nuvens de chuva se formarem acima. Deixei a hospedaria antes do que fazia normalmente, antes do nascer do sol, queria saber qual era o momento em que a jovem chegava e sentava-se para observar a colina como sempre. E confesso, sentia arrepios em pensar na probabilidade de que ela poderia não estar lá, ou não voltar, antes que eu entendesse ou fizesse o que eu desejava mais que tudo! Aquele quadro que eu sabia que seria minha obra de arte, e ela, ela seria minha inspiração, minha modelo assim como todo o lugar em que ela observava.

Estava ao longe, com meu corpo inclinado recostado sobre uma velha palmeira quando avistei-a, em um longo vestido branco, talvez pudesse ser confundida com uma noiva, cabelos encaracolados e negros e sua pele clara, quase tão clara quanto a luz dourada do sol da manhã, notei que olhara em minha direção, voltando-se logo para a paisagem de sempre. Meu coração tremeu em meu peito, senti que deveria logo me aproximar, fui até o lugar e sentei-me naquele banco negro de ferro antigo, ao seu lado, contudo nada disse eu naquele momento. O Nascer do sol por traz da colina, cortado pela torre do sino do monastério em batia em seu tom, sua música, o show de cores e feixes de luz que fora produzido se misturando com as cores do sino, da rocha e do verde da vegetação da colina encheram minha mente, nada mais pude ver, ou sentir, nada, além da sensação de completo da beleza natural misturada com a obra de homens; Creio que aquela visão esplendida era o suficiente para alguém voltar todos os dias a ver aquilo, eu o faria se ali morasse, mais lindo do que o nascer do sol deveria ser o seu pôr, lançando sua luz por detrás de quem estava sentado ao banco e lançando sua luz contra a colina.

Assim que o sol estava já sobre a torre, tal como uma coroa, virei-me ao lado, pois já se quebrara o efeito do feitiço daquela cena divina, aqueles olhos... aqueles olhos que jamais vira outros antes e nunca mais outros após eles, me observavam, acompanhados de um sorriso magnífico, e se havia eu me encantado pelo espetáculo do amanhecer, aquela face branca com seus olhos e sorriso me prenderam tanto quanto. Ela era um anjo?

A cor daqueles olhos, infinitos em sua bela profundeza, jamais vira, não azuis, não negros, não verdes ou castanhos, sua cor era única, como o de uma solitária pedra preciosa no mundo em que nada mais chegava a ser igual a ela, prata com tom de purpura diria, jamais vi algo tão... a beleza que completa a beleza, apenas é a única descrição que se encaixaria.

-Deixa-me pintar a você, seja a modelo desse pobre pintor!- E não obtive resposta, apenas tinha de volta o olhar e o sorriso, insisti em pedir e pedir e continuaria pedindo, então notei, suas mãos dançavam pelo ar, enquanto seus dedos gesticulavam cortando o vento, seus olhos seguiam meus lábios. Ela era surda-muda, me compreendia, pois afinal, sabia ler lábios, embora eu não a compreendesse, ela sabia que eu era incapaz de entender seus gestos, então pedi novamente, meneando a cabeça num sim que nunca esqueci diria eu. Fez sinal para que eu a seguisse e andei pouco atrás de si, seguindo seus passos vagarosos e leves como a pluma de ímpeto de uma deusa, até que me detivera tocando meu peito e sorrindo, não deveria mais segui-la, se foi, desaparecendo em uma esquina e fiquei ali, parado.

Horas antes do pôr-do-sol ali estava eu, com minha tela, suporte, pincéis, tintas, nada mais na minha mente a não ser o desejo que de aquela pessoa viesse e ela veio. Assim como pensei, jamais veria algo mais lindo, a luz do sol que se punha por trás de nós e ela ali posando para mim, e de costas para a colina; meu sonho de entender seus segredos fazendo aquela pintura, só um sonho. E dia após dia, nas manhãs assistia junto a ela o mesmo espetáculo e nas tardes ela posava para mim, dias e dias, até que tive eu que partir, desejei encontra-la, contudo, não estava mais lá, um dois, três dias, não voltara para o seu ritual diário e tive que partir, desconsolado sem poder agradecer, sem saber seu nome.

Assim como eu sabia que seria, aquela pintura me rendeu frutos e minha fama, " A garota do sino".

E todos os anos, no mesmo período em que estive no lugar em que fiz a minha obra de arte, volto para lá em busca, na esperança de encontrar aquela jovem moça, o anjo de minha vida. Sento-me sempre naquele banco, na esquerda onde ela sentava, a sua espera... Mas nunca mais a vi, minha garota do sino.

Ariel Lira
Enviado por Ariel Lira em 25/03/2012
Reeditado em 25/03/2012
Código do texto: T3575112
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