As surpresas da vida

Por um tempo, pensei que meu coração não mais voltasse a se aquecer. Pois, havia passado por um longo período de inverno e frieza, por contadas velhas mágoas que poderiam ainda não ter cicatrizado, por cautela, evitara machucar-me.

Passado alguns anos, num dia comum, me aparece uma figura bela, jovem, alto, loiro, de bons costumes, bem afeiçoado, diferente dos demais que ali estavam. Naquele instante, pareceu-me surgir um sentimento reciproco, houve uma pausa no tempo. Olhemo-nos. Ele adentrou a sala. De forma educada, e por ainda não nos conhecermos cumprimentou-me, e seguiu para uma mesa, tive a intuição que havia um desejo por parte dele de me observar, e também de ser observado. Pois, sentou-se num ângulo em que podíamos trocar olhares, nos comunicar através dos olhos.

De um lado, me enchia de perguntas, e as fazia com olhares. Quem seria aquele rapaz? De onde vinha? O que fazia por ali? Quais seus desejos? E histórias de vida?

Em resposta, ele a olhar-me com muita cautela.

Os dias foram passando, e parecia até, que marcávamos encontros pontuais.

Encontrávamo-nos sempre no mesmo lugar. Talvez ai esteja à certeza da reciprocidade.

Ele apresentou-se.

Mostrou-se uma pessoa atenciosa. Atento a mim, possuíra um jeito carinhoso para reconhecer detalhes, e demostrar sua atenção.

Sempre criara momentos para nos encontrar, e deixara visível a todos sem descrição, o desejo de nos aproximar.

Certo dia, aguardou-me na saída do trabalho, para apenas, de forma bastante agradável, e sem criar anseio de atos maldosos, pedir-me um abraço.

Não vi maldade no pedido e assim fiz. Dei-lhe um abraço fraterno. Naquele instante pareceu-me criar amarras as suas feições, passara a ser como um amigo de infância. Pessoa de confiança, que por motivos de tantos encontros já fizera parte da minha vida.

Mas pouco sabia dele. Por isso, sempre que possível, conversávamos. Ele contara algumas histórias. Como a de um tempo que passou, para os lados da região norte, desenvolvendo uma atividade, que para muitos é tão dura e arriscada. Porém para ele era uma diversão ou um vício. Ele era um vaqueiro.

Por coincidência, nessa mesma época, lia um livro de Graciliano Ramos: “As Histórias de Alexandre”.

Acredito que Graciliano contribuiu, para o encanto que se deu vida dentro de mim.

Um lindo e aventureiro vaqueiro, que se arriscara dentro do mato à procura de rês.Isso para mim soava engraçado, porém agradável. Em suas aventuras e profissão, assemelhava-se com Alexandre.

A essa altura, também elaborava sempre que possível, um motivo ou outro para encontra-lhe.

Aproximava-se o final de ano, e ele passaria um período na casa de seus pais. Sendo assim, ficaríamos uns dias sem nos ver.

Numa noite, ele veio ao meu encontro, ofereceu companhia no caminho para casa. E contou-me da sua viagem. Disse-me também que sentiria minha falta, saudades das nossas conversas e com sutileza, me propôs algo, que eu também desejara há algum tempo. Disse-me ainda que seria isso que o traria de volta.

Meu coração, com batimentos acelerado, meus olhos como quem quisera fotografar aquele instante. Não tinha

certeza se estava pronta para esse momento. Meu corpo já não obedecia. Os comandos do meu cérebro eram em vão. Melhor dizendo, queria sim, eram as velhas mágoas alertando por medo de outra vez ser magoada.

Valia a pena correr o risco. Então, ele se aproximou, e nossos lábios se encontraram. Quão emocionante fora aquela noite. Soube no ato que não mais a esqueceria. Ainda hoje, fecho os olhos e como se estivesse lá, há sentir o vento que rondava-nos, os barulhos da rua, que pareciam num todo organizado.

Tremula, fiquei feliz, muito feliz. Abraçamo-nos. Ai veio à certeza de que eu desejara o beijo, desde o dia em que o vi, quando ele entrara por aquela porta.

Durante a viagem ele voltara, exatamente no dia do meu aniversário, sempre muito atencioso, disse-me que não me deixaria só nessa data tão especial.

Outro dia, houve um evento do qual, eu participara, ele dirigiu-se, com os amigos a uma mesa, e propositalmente, sentou-se mais uma vez em minha direção, e como até sem explicação, mantivemos um diálogo à distância. Uma conversa a dois em silêncio.

Nesse evento, ficara no encargo de entregar cerificados de um curso realizado. E ele, sem que todas as outras pessoas vissem, exigiu-me: “Quero receber o certificado das suas mãos.” Da mesa de entrega, disse-lhe em resposta silenciosa que não pudera atendê-lo. “Como faria isso?” Pois a entrega obedeceria a uma sequencia. E que outra pessoa da mesa o poderia fazer. Ele indicou que estava em minhas mãos, e que era meu dever entregar-lhe o certificado.

Porém as forças que regem o planeta atuaram para nosso encontro naquela noite, e por desejo ou coincidência,

fui convidada a entregar o documento.

Ele não perderia aquele momento para estarmos juntos.

Para sua diversão, ele realizara uma atividade um tanto arriscada. Correr atrás de reses no meio de mato onde ele e

outros vaqueiros deveriam retornar com elas.

Esses momentos de diversão eram comuns na região. E acontecera sempre nos finais de semana. Ele estava sempre que possível em todas.

Numa dessas pegas de boi, ele entrou no mato com todo aquele conjunto de roupas de couro. E em grupo saiu em busca dos animais, sempre muito valente e determinado quando paramentado. Designara a pegar o animal de maior valor. Guiara o cavalo ao encontro da rês. Tentando esquivar-se pelo caminho de galhos, troncos e espinhos. Porém acontecera o que ele não esperara. Quando bem próximo do animal, pronto para laçá-lo, ocorreu um choque com uma árvore grande. Os amigos que o acompanhara deram-lhes socorro. A pancada foi tamanha, que ele ficara inconsciente, e em delírios, gritava que deixassem que aquela res dele seria. Um prémio à sua bravura. Como se ainda estivera a correr, durante a pega de boi.

Foi levado à outra cidade para fazer uma cirurgia. E alguns dias se passaram sem que nos víssemos. Dias de saudades.

Recebido alta do hospital, estava de volta, e dirigira-se

ao meu encontro, para narrar o acontecido, como havia sido esses dias, distantes de mim. E que só não morrera de saudades, por saber que o aguardara cheia de carinho para lhe dar. Prometera-me naquele encontro que passaria algum tempo sem frenquentar as festas. Mas que era um vício e não saberia por quanto tempo aguentaria ficar longe daquela atividade arriscada para uns, e tão emocionante e prazerosa para ele.

Dizem que as palavras proclamadas teem força. Lembro-me de um fato ocorrido há alguns anos. Mais precisamente na adolescência, passara pela pracinha da cidade, e me chamou atenção a presença de um senhor muito charmoso, de olhos claros, alto. E pensei: “Ah! Será que esse homem tem um filho para namorar comigo?” E não sei se por ironia do destino ou profecia das minhas palavras, descobri que aquele homem que havia visto na praça era o pai do meu bem querer.