Parece que foi ontem. Eu deitado sobre um sofá simpaticamente aconchegante, assistindo desenhos na Tv, quando de repente minha mãe entrou acompanhada por meu pai, e com algo no colo. Era um bebê.
Não vou de negar que de início, assim como todo filho mais velho de seis anos de idade, não gostei nada de saber que eu teria que dividir meu quarto, minhas coisas, e até meus pais com aquele pedaço de gente. Era insuportável aceitar isso. E mais duro seria não ter toda a atenção para mim. Imaginava-me abandonado na rua, com monstros me perseguindo, e todos ali, olhando para ela. Com aqueles bracinhos miúdos, com aqueles cabelos ralos, cheiro adoravelmente doce e rosto demoniacamente angelical.
Era uma casa nova, e o berço ocupava a metade do quarto. Nos primeiros meses as visitas eram constantes. Todos queriam ficar ao redor dela. Meus desenhos ninguém mais olhava, mas lá estavam eles, em volta do berço, sorrindo, chorando e fazendo aquelas vozes songa-mongas que fazem para os bebês e cachorros. Comigo eram apertões nas bochechas que poderiam deslocar meu maxilar, mas com ela, ah, com ela eram aquelas vozes!
O tempo foi passando, e ela começou a engatinhar. Era engraçado e era ridículo! Ela não conseguia andar de pé como uma pessoa normal. Tinha que andar como um cachorro. E às vezes, sorrindo, tentava se equilibrar sobre as duas pernas, e logo caía com aquela bunda embrulhada em fraldas. Às vezes sorria, outras vezes chorava copiosamente, fazendo com que minha mãe saísse de onde estivesse e me desse uma tremenda bronca por ficar chateando-a. Sendo que na história eu era inocente. E essas coisas me faziam pensar que aquele bebê parecia manipular todos os outros ao redor. Com suas caretas, sons e risos, parecia ganhar a simpatia de todos com uma espécie de hipnose. Eu definitivamente não gostava dela. Mas minha mãe parecia gostar muito, e todos os outros também.
Com o passar do tempo, a minha rotina se adaptava a dela. Cedo me acordava apertando meu nariz ou enfiando a mão dentro da minha boca. Às vezes, engatinhava por cima de meu corpo, e me fazia cócegas. Eu logo recolhia o riso e ficava a encarando. Ela sorria, parecia saber o que fazia. Balbuciava algumas coisas que faziam as pessoas sorrir, e eu ficava lá, incrédulo que aquilo era possível. Que graça tinha naquilo. Certa vez, lembro que tentei balbuciar. Fazer coisas como ela fazia... E minha mãe jogou o chinelo contra mim, pois minhas atitudes acabaram quebrando dois copos dela. Ainda me disse que já era um homenzinho, e devia cuidar da minha irmãzinha! Todos esses -inhos, todos esses -inhas... Tudo culpa dela!
Mas um dia, meu pai e minha mãe se separaram, e eu fui para um canto, ela com minha mãe para outro. Depois de três dias comecei a sentir falta daquele monstrinho. Era engraçado, pois eu praticamente tentava a ignorar. Mas quando ela se foi, quando se mudou com minha mãe para outra casa. Tudo ficou sem graça. Devido à ter uma situação financeira melhor, meu pai me criou, e minha mãe acabou ficando com o bebê. Vizinhos, sempre nos víamos. Finais de semana eu sempre ia para a casa da minha mãe, e lá eu comecei a gostar do bebê. Brincávamos, ríamos, brigávamos... Certa vez, ela jogou um mini-game contra minha testa, e fui chorar escondido no banheiro para que minha mãe não brigasse com ela. Era linda e engraçada à sua maneira. Seu tufo de cabelo levantado para o alto, após minha mãe retirar sua “Maria-Chiquinha”, era algo que eu achava muito engraçado.
Ela cresceu, começou a andar e me chamar de “rimão”. Começou a falar, e conversar sobre coisas que não faziam sentido. Víamos o mundo agora com olhos parecidos. Brincadeiras sem nexo que para nós eram uma viagem por mundo a fora. Ela entrava na minha, eu entrava na dela. Surtávamos juntos e quando não nos entendíamos partíamos para a briga física, e jurávamos nunca mais sermos irmãos! A frase “Não sou mais seu irmão” era algo toda hora proferido com tamanho vigor, que em tribunal, poderia ser causa ganha facilmente. Brigávamos por que espalhávamos os brinquedos pelo chão e depois não queríamos arrumá-los... Mas logo o perdão chegava com um sorriso, ou com a mediação da mamãe. Aí sentávamos na sala e brincávamos de coisas que faziam o tempo voar. Imaginávamos que os desenhos do carpete eram estradas para os carrinhos de brinquedo. Subíamos na cama e imaginávamos que estávamos cercado por lava fervente, ou então por rios com jacarés e tubarões, que chamávamos de jacarões. Imaginávamos que a vida era uma enorme peça de teatro, e antes de dormir, dávamos as mãos e agradecíamos à uma plateia imaginária, reverenciando-a. Vivíamos num mundo aonde tudo era possível, e não víamos um sem o outro.
Era triste vê-la levando bronca por não querer estudar. Por não fazer as lições, ou então por responder com malcriação as broncas que levava, dava vontade de defender. Sempre fora tão diferente, tão mais arisca que eu. E isso, eu invejava. Toda sua coragem, toda sua articulação com as palavras. Você sabia se defender, e eu mesmo que não concordando, sempre entendia seu ponto de vista.
Mas num sei o que aconteceu que de repente nos afastamos. De repente não conversávamos mais um com o outro. De repente eu não me sentia à vontade para te dar um abraço ou um beijo no rosto. Como pode isso? Se sentir tímido ao lado de quem você cresceu? Talvez por termos crescido e seguido caminhos diferentes, conhecido pessoas diferentes. Talvez por estilo ou caráter. Só sei que era como se fossemos dois estranhos. Minha “rimã” de repente, estava longe estando perto. E isso no fundo me incomodava. Era chato ver você confidenciando seus problemas para pessoas de fora. Era mais chato ainda eu querer confidenciar com você e não saber como. Conversas frias. Conversas sem aprofundamento.
Mas com o tempo, veio a maturidade, e hoje, quem diria, ela vai ter um bebê. Aquela menininha que chegou enrolada num pano rosa claro, enrugada, com cabelos jogados para cima... Aquela menina que dava gritos histéricos no shopping quando se negavam a comprar doces ou qualquer coisa que quisesse de imediato. Aquela menininha que era tão fácil assustar, e que tinha medo da música da Chapeuzinho Vermelho... Vai dar a luz a outro bebê.
É inacreditável. É algo inesperado, mas que me faz voltar no tempo e ver como as coisas mudam. Como o tempo passa e podemos ser surpreendidos pelos acontecimentos. Olhar para as fotos, nos vermos juntos, fantasiados no carnaval, ou simplesmente abraçados no sofá. Você com aquela cara de sapeca, que desde o inicio já prometia dar trabalho. Com muito orgulho, é ótimo saber que está chegando alguém fruto daquela pessoa que mesmo longe, tornou minha infância ainda mais feliz. Que implicava comigo usando coisas que aos olhos dos adultos não seriam nada, mas que sabia que me irritava mortalmente. Aquela que odiei por anos, e que se tornou uma grande companheira. E com o amadurecimento, nós podemos ver o quão normal é odiar o irmão. O quão normal é você achar que ele não merece seu companheirismo. Mas mesmo assim, com tantas rusgas, ele vai continuar do seu lado ao final. Amigos se vão, namorados e namoradas se perdem pelo tempo. Mas irmãos, esses são ligados à nós pelo sangue. É algo para sempre, eterno.
Ver você ansiosa com os preparativos. Sozinha analisando cada detalhe das roupas, dicas de como lidar com um bebê. É emocionante. É algo mágico, indescritível. É algo que faz o coração acelerar de orgulho. É ver aquela bebezinha irritante tomar juízo e dar um enorme passo na escada da vida...
Um anjo se aproxima para deixar a história ainda mais bonita. E a ansiedade traz todas as lembranças. Olhar para as fotos e sentir as lágrimas rolarem. É um choro delicioso. É um choro que lava a alma e alegra. Um anjo está para pousar nas nossas vidas, e que com ele venham as mesmas e novas desventuras e aventuras, que só vão complementar as nossas vidas de “rimãos” que fomos e que, mesmo que já tenhamos dito que não seríamos mais, seremos para toda uma vida. Pois além de “rimão”, agora eu serei Tio!
Não vou de negar que de início, assim como todo filho mais velho de seis anos de idade, não gostei nada de saber que eu teria que dividir meu quarto, minhas coisas, e até meus pais com aquele pedaço de gente. Era insuportável aceitar isso. E mais duro seria não ter toda a atenção para mim. Imaginava-me abandonado na rua, com monstros me perseguindo, e todos ali, olhando para ela. Com aqueles bracinhos miúdos, com aqueles cabelos ralos, cheiro adoravelmente doce e rosto demoniacamente angelical.
Era uma casa nova, e o berço ocupava a metade do quarto. Nos primeiros meses as visitas eram constantes. Todos queriam ficar ao redor dela. Meus desenhos ninguém mais olhava, mas lá estavam eles, em volta do berço, sorrindo, chorando e fazendo aquelas vozes songa-mongas que fazem para os bebês e cachorros. Comigo eram apertões nas bochechas que poderiam deslocar meu maxilar, mas com ela, ah, com ela eram aquelas vozes!
O tempo foi passando, e ela começou a engatinhar. Era engraçado e era ridículo! Ela não conseguia andar de pé como uma pessoa normal. Tinha que andar como um cachorro. E às vezes, sorrindo, tentava se equilibrar sobre as duas pernas, e logo caía com aquela bunda embrulhada em fraldas. Às vezes sorria, outras vezes chorava copiosamente, fazendo com que minha mãe saísse de onde estivesse e me desse uma tremenda bronca por ficar chateando-a. Sendo que na história eu era inocente. E essas coisas me faziam pensar que aquele bebê parecia manipular todos os outros ao redor. Com suas caretas, sons e risos, parecia ganhar a simpatia de todos com uma espécie de hipnose. Eu definitivamente não gostava dela. Mas minha mãe parecia gostar muito, e todos os outros também.
Com o passar do tempo, a minha rotina se adaptava a dela. Cedo me acordava apertando meu nariz ou enfiando a mão dentro da minha boca. Às vezes, engatinhava por cima de meu corpo, e me fazia cócegas. Eu logo recolhia o riso e ficava a encarando. Ela sorria, parecia saber o que fazia. Balbuciava algumas coisas que faziam as pessoas sorrir, e eu ficava lá, incrédulo que aquilo era possível. Que graça tinha naquilo. Certa vez, lembro que tentei balbuciar. Fazer coisas como ela fazia... E minha mãe jogou o chinelo contra mim, pois minhas atitudes acabaram quebrando dois copos dela. Ainda me disse que já era um homenzinho, e devia cuidar da minha irmãzinha! Todos esses -inhos, todos esses -inhas... Tudo culpa dela!
Mas um dia, meu pai e minha mãe se separaram, e eu fui para um canto, ela com minha mãe para outro. Depois de três dias comecei a sentir falta daquele monstrinho. Era engraçado, pois eu praticamente tentava a ignorar. Mas quando ela se foi, quando se mudou com minha mãe para outra casa. Tudo ficou sem graça. Devido à ter uma situação financeira melhor, meu pai me criou, e minha mãe acabou ficando com o bebê. Vizinhos, sempre nos víamos. Finais de semana eu sempre ia para a casa da minha mãe, e lá eu comecei a gostar do bebê. Brincávamos, ríamos, brigávamos... Certa vez, ela jogou um mini-game contra minha testa, e fui chorar escondido no banheiro para que minha mãe não brigasse com ela. Era linda e engraçada à sua maneira. Seu tufo de cabelo levantado para o alto, após minha mãe retirar sua “Maria-Chiquinha”, era algo que eu achava muito engraçado.
Ela cresceu, começou a andar e me chamar de “rimão”. Começou a falar, e conversar sobre coisas que não faziam sentido. Víamos o mundo agora com olhos parecidos. Brincadeiras sem nexo que para nós eram uma viagem por mundo a fora. Ela entrava na minha, eu entrava na dela. Surtávamos juntos e quando não nos entendíamos partíamos para a briga física, e jurávamos nunca mais sermos irmãos! A frase “Não sou mais seu irmão” era algo toda hora proferido com tamanho vigor, que em tribunal, poderia ser causa ganha facilmente. Brigávamos por que espalhávamos os brinquedos pelo chão e depois não queríamos arrumá-los... Mas logo o perdão chegava com um sorriso, ou com a mediação da mamãe. Aí sentávamos na sala e brincávamos de coisas que faziam o tempo voar. Imaginávamos que os desenhos do carpete eram estradas para os carrinhos de brinquedo. Subíamos na cama e imaginávamos que estávamos cercado por lava fervente, ou então por rios com jacarés e tubarões, que chamávamos de jacarões. Imaginávamos que a vida era uma enorme peça de teatro, e antes de dormir, dávamos as mãos e agradecíamos à uma plateia imaginária, reverenciando-a. Vivíamos num mundo aonde tudo era possível, e não víamos um sem o outro.
Era triste vê-la levando bronca por não querer estudar. Por não fazer as lições, ou então por responder com malcriação as broncas que levava, dava vontade de defender. Sempre fora tão diferente, tão mais arisca que eu. E isso, eu invejava. Toda sua coragem, toda sua articulação com as palavras. Você sabia se defender, e eu mesmo que não concordando, sempre entendia seu ponto de vista.
Mas num sei o que aconteceu que de repente nos afastamos. De repente não conversávamos mais um com o outro. De repente eu não me sentia à vontade para te dar um abraço ou um beijo no rosto. Como pode isso? Se sentir tímido ao lado de quem você cresceu? Talvez por termos crescido e seguido caminhos diferentes, conhecido pessoas diferentes. Talvez por estilo ou caráter. Só sei que era como se fossemos dois estranhos. Minha “rimã” de repente, estava longe estando perto. E isso no fundo me incomodava. Era chato ver você confidenciando seus problemas para pessoas de fora. Era mais chato ainda eu querer confidenciar com você e não saber como. Conversas frias. Conversas sem aprofundamento.
Mas com o tempo, veio a maturidade, e hoje, quem diria, ela vai ter um bebê. Aquela menininha que chegou enrolada num pano rosa claro, enrugada, com cabelos jogados para cima... Aquela menina que dava gritos histéricos no shopping quando se negavam a comprar doces ou qualquer coisa que quisesse de imediato. Aquela menininha que era tão fácil assustar, e que tinha medo da música da Chapeuzinho Vermelho... Vai dar a luz a outro bebê.
É inacreditável. É algo inesperado, mas que me faz voltar no tempo e ver como as coisas mudam. Como o tempo passa e podemos ser surpreendidos pelos acontecimentos. Olhar para as fotos, nos vermos juntos, fantasiados no carnaval, ou simplesmente abraçados no sofá. Você com aquela cara de sapeca, que desde o inicio já prometia dar trabalho. Com muito orgulho, é ótimo saber que está chegando alguém fruto daquela pessoa que mesmo longe, tornou minha infância ainda mais feliz. Que implicava comigo usando coisas que aos olhos dos adultos não seriam nada, mas que sabia que me irritava mortalmente. Aquela que odiei por anos, e que se tornou uma grande companheira. E com o amadurecimento, nós podemos ver o quão normal é odiar o irmão. O quão normal é você achar que ele não merece seu companheirismo. Mas mesmo assim, com tantas rusgas, ele vai continuar do seu lado ao final. Amigos se vão, namorados e namoradas se perdem pelo tempo. Mas irmãos, esses são ligados à nós pelo sangue. É algo para sempre, eterno.
Ver você ansiosa com os preparativos. Sozinha analisando cada detalhe das roupas, dicas de como lidar com um bebê. É emocionante. É algo mágico, indescritível. É algo que faz o coração acelerar de orgulho. É ver aquela bebezinha irritante tomar juízo e dar um enorme passo na escada da vida...
Um anjo se aproxima para deixar a história ainda mais bonita. E a ansiedade traz todas as lembranças. Olhar para as fotos e sentir as lágrimas rolarem. É um choro delicioso. É um choro que lava a alma e alegra. Um anjo está para pousar nas nossas vidas, e que com ele venham as mesmas e novas desventuras e aventuras, que só vão complementar as nossas vidas de “rimãos” que fomos e que, mesmo que já tenhamos dito que não seríamos mais, seremos para toda uma vida. Pois além de “rimão”, agora eu serei Tio!
Fim de uma história que está só começando!
Para Rachel Velloso, minha “rimã”.