CARNIFICINA - CAP. 1 - O Bonde

CARNIFICINA

CAP. 1 - O BONDE

Narciso entrou no bonde que muito antes havia sido escolhido para ser uma biblioteca no centro da cidade. Hoje, não passava de um local abandonado, com matos para todos os lados e ferrugem nas tramelas de portas e janelas. Os livros, todos já carcomidos pelo tempo, estavam jogados ao chão, muitos deles rasgados e sujos de sangue seco.

Entrou e tentou trancar a porta, mas estava muito enferrujada. O tempo era curto, e avistou pela janela um dos grandes vindo em sua direção. Forçou a porta até que ela se desprender e encostou-a na tramela. Pouco tempo restava até que os seres canibais aparecessem por perto.

Ao fechar a porta, procurou emperrá-la com um pedaço de madeira que havia caído do teto tempos antes. Foi então que sentiu falta de algo. A chave? Onde ela está? A chave do cofre havia caído do lado de fora. Foi por causa dela que ele estava naquela situação, e não poderia perdê-la de forma alguma. Ouviu os gemidos se aproximando, e de uma fresta na porta de madeira velha viu a chave brilhar à luz ardente do sol.

Dois ou três minutos seria o tempo máximo que ele teria para sair do bonde, pegar a chave e voltar para o local seguro. Sem nem mesmo pensar duas vezes, abriu a porta novamente e caiu para fora da biblioteca móvel. Muito próximo a ele estava o grandão, um dos Carnificinas, que era como chamavam as criaturas horrendas criadas pelo governo para auxiliar na guerra. Uma experiência sem sucesso, que agora dominava as ruas da cidade e amedrontava os moradores que não tiveram acesso à Cúpula.

Lá estava a criatura, suja de sangue, com pedaços de seu braço arrancado e um vazio no lugar do olho direito. Vestia uma blusa do uniforme do banco que trabalhava. Era branca. Era, porque agora estava completamente vermelha e trazia pedaços de carne, e vermes andando por ela. Aliás, em todo o corpo da vítima havia vermes rondando e saindo dos orifícios criados pelas mordidas que provavelmente a criatura havia recebido. De um lado surgiram mais umas dez daquelas. De outro. E de outro. Até formarem um batalhão de zumbis sedentos por carne nova. A chave já estava em sua mão, bastava desviar-se das criaturas que corriam em sua direção, e entrar novamente no bonde.

Atrás dele havia o resto do que antes era um restaurante no calçadão. Cadeiras quebradas e vidros espalhados por todos os lados. Narciso pegou um pedaço grande de uma cadeira que estava ao seu lado e preparou-se para se defender. Mais um segundo, e ele não teria nem suas próprias mãos para tentar sair dali.

Sentiu puxar sua camiseta, e o arrastar para o abraço mortal. Golpeou

a cabeça do zumbi com a madeira que havia achado, derrubando a criatura e chamando ainda mais a atenção das outras. O caos se instaurou.

Narciso não sabia como, mas viu que eles eram muito mais rápidos do que antes, e correram em sua direção. Em pouco tempo, havia mais de trinta zumbis querendo o sangue e a carne fresca de Narciso.

A única maneira de ele se defender era com o pedaço da madeira, agora cravado na cabeça do grandão. Tentou arrancá-la e foi acertando tudo o que via pela frente, correndo em direção ao bonde. Golpeou uns três que apareceram em seu caminho e se defendeu com todas as maneiras possíveis.

Prestes a chegar novamente à porta do bonde, sentiu seu pé sendo puxado. Foi com tanta força que acabou caindo e derrubou o pedaço de madeira. Sobre ele caíram outros dois zumbis. Estava perdido, era o seu fim.

Os três carnificinas que agora estavam sobre seu corpo brigavam entre si, e o que eram três passou a serem oito depois dez e novamente Narciso se viu rodeado por inúmeros zumbis.

A porta do bonde estava muito perto, bastava sair debaixo das criaturas. Concentrando-se em sua força, livrou-se deles e entrou na biblioteca. Trancou a porta rapidamente e ali se viu em segurança.

Colocou a mão no bolso para achar a chave. Nem teve tempo de vê-la, pois a única coisa que sentiu foi o ar gélido e o cheiro de carne putrefata atrás de si. Como havia entrado? Pelo teto, só podia. Tirou o pedaço de madeira que estava segurando a porta e acertou o zumbi invasor. Direto na cabeça, assim dizia a cartilha. Golpeou três vezes, e lá estava caído agonizando mais um zumbi. Mas Narciso esqueceu-se da porta, e rapidamente o pequeno bonde foi invadido pela tropa de zumbis.

Sem ter muito que fazer, Narciso engoliu a chave que tanto precisara e entregou-se às criaturas.

Continua..

Eduardo Costta
Enviado por Eduardo Costta em 30/01/2012
Código do texto: T3469411
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