O Boteco Nunca Fecha!

Milhares de alienígenas delinqüentes aportam suas naves na Rua Morte Certa, sem número, em Poeirópolis, na altura do B.C.B. (Botequim Charles Bukowski), a fim de presenciarem mais uma quente apresentação de poetas anárquicos de várias galáxias renegadas.

As autoridades, preocupadas com a segurança local, iniciam ronda contínua pelas redondezas, de modo a evitarem eventuais revoluções neuronais e sinapses indevidas, contrárias à ordem e à mesmice, necessárias, por outro lado, à manutenção da democracia e padrões impostos vigentes.

Integrantes de algumas vertentes alucinatórias, portando velhos instrumentos, tais como violões empoeirados, gaitas enferrujadas de avós mortos, pandeiros furados de entidades religiosas pagãs, chocalhos e berimbaus furtados de nativos canibais aportam aguardando permissão para soltarem seus uivos perdidos de quem carrega a razão única, já que no BCB, assim como fora da Caverna de Platão, a razão imperante freqüenta todos os sentidos da imaginação do cidadão.

Não há fronteiras para sonhar e nem limitações para criar no BCB, onde paira a liberdade proibida aos preconceituosos e ditos cidadãos respeitáveis.

Na entrada é obrigatório o despojamento da matéria, devendo os freqüentadores deixarem seus corpos do lado de fora, pendurados, juntamente com suas possíveis maldades e rancores, num cabide apropriado, e adentrarem somente com alma e essência de poeta sonhador.

Vêem-se se aproximarem os caras dos Alucinações Burocráticas, com seus vinhos e pseudo-verdades, “in vino veritas”, heraclitianos, porém nadando duas vezes no mesmo rio...

Em seqüência brotam dos esgotos os caras da banda Zumbi Soul, herdeiros dos macacos, sujos e rotos, sem rumos, zanzando de um lado a outro, ansiando uma árvore carnívora que devore toda esta porcaria vigente...

E assim, andando, surge Purgóviski Delirintensus, um ser profano, bradando seus relâmpagos de coração e indignação.

De uma tampa de bueiro surge Antônio, o Caboclo, trazendo a verdade, a verdade...

De outro lado irrompe trôpego Walter Vicentini e sua incessante verborréia contagiosa, chamando a atenção da vizinhança e dos milicianos que o perscrutam com olhares esbugalhados...

Paulo Neurótico aparece do nada, calado, amigo do silencio e do existencialismo, e logo passa a dialogar consigo mesmo e com Spinosa ao mesmo tempo, num monólogo lúcido e incompreensível...

Jorge Vacilante cambaleia mas não cai...

Beto Hipotético ergue os braços em alto brado e tece considerações vãs sobre a cosmologia de Kepler...

José Armando Barraco logo causa um burburinho num canto, engendrando com as mãos vazias e a cabeça cheia de loucuras a conquista do Mundo...

Marcos, o Feijão, com um enorme caldeirão, acende o fogão e prepara sua tradicional feijoada de ilusão e cogumelos, argumentando racionalmente sobre a ineficácia de uma vida levada em vão...

Johannes Douglas e Humberto Fitzgerald, aspirando poeira cósmica, argumentam a respeito do porque de tudo isso..., e ninguém em sã consciência se intromete a questioná-los...

E até Papai Noel, depois de raspar a barba e deixá-la num cesto de lixo, juntamente com aquela velha roupagem vermelha e quente, veste bermuda, chinelas e entoa um cântico místico, inspirado em Allen Ginsberg...

E depois disso o natal nunca mais foi o mesmo...

E as horas deixaram de passar...

E o tempo perdeu sua eficácia...

E o vento levantou fumaça...

E o B.C.B., lotado, nunca mais fechou!

Enquanto isso, lá fora, o mundo, impreterivelmente, segue seu fluxo imundo...

"Só para os loucos!

Só para os raros!"

E o B.C.B., por fim, por intermédio de sua gerência, emocionada, manda um FELIZ FERIADÃO DE FIM DE ANO A TODOS!!

SAvok OnAitsirk, 23.12.11.

Cristiano Covas
Enviado por Cristiano Covas em 23/12/2011
Reeditado em 26/12/2011
Código do texto: T3403464
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