Foi por um triz que tudo não aconteceu (EC)
Um raio caiu diretamente na árvore onde há poucos minutos ela estivera assentada. Tinha adormecido com um livro nas mãos e nem percebera a mudança no tempo. Um farfalhar acordou-a, as folhas do livro enlouquecidas como um leque nas mãos de uma mulher na menopausa afligida pelo calor. Levantou-se assustada, mal parando de pé, o vento empurrando-a na direção contrária ao seu propósito. Custou a aprumar-se e seguiu rápida para a casa, a poeira levantada impedindo sua clara visão, mas não o acerto na direção, tão acostumados estavam os seus passos ao caminho. Era dia ainda, mas nem parecia, como se fosse um começo de noite tenebroso. Raios e trovões, como se a profecia estivesse para acontecer – o mundo acabaria em fogo.
Por um triz não se ensopou totalmente. Mal colocou o pé no alpendre a chuva caiu, contradizendo a profecia. Seria o dilúvio mais uma vez e ela não via nenhuma arca por perto, para se salvar. Parou um tempo antes de entrar na casa para recuperar o fôlego e virou-se em direção da árvore a tempo de vê-la ser atingida por um raio. Foi por pouco, pensou. Entrou em casa preparada para passar uma tarde tormentosa, mas estava enganada. Assim como viera a tempestade passara, tão rápida como um raio cortando o céu. Ainda era dia, embora soubesse que a noite não tardaria. Ainda era dia e de longe ela olhou a árvore carbonizada, completamente destruída, sem uma única folha. Um pensamento, como um raio, cruzou sua mente levando-a se lembrar da velha cigana que um dia passara por ali e lhe dissera coisas. Pensou que esqueceria aquelas tolices, mas volta e meia ela comprovava que, mesmo sendo uma tolice era no mínimo, estranho.
Sara tinha ficado com ela por pouco mais de uma semana esperando que voltassem para buscá-la. Não foram dias fáceis, principalmente depois que fora alertada por Teresa, filha da velha cigana, de que a parada delas ali tinha um objetivo. Sara queria falar com ela, Sara adivinhava coisas e pedira para vir encontrá-la. Ela, a moça dos cabelos de fogo. Mas os dias se passavam e Sara continuava calada, sem nada para falar, apenas olhava e sorria com seu sorriso torto e sem dentes. Penélope não queria apressar a velha, nem mostrar-se curiosa e muito menos dar bandeira – não acreditava naquelas baboseiras de adivinhar coisas, logo não iria perguntar nada.
Quando o caminhão despontou lá no alto, anunciando a chegada da família de Sara e de sua iminente partida, Penélope sentiu uma fundura no estômago, como se fosse prenúncio de uma coisa muito ruim. Sara iria embora sem nada lhe dizer que justificasse a sua parada ali. Compreendeu que ansiava por uma coisa que racionalmente não acreditava – descobrir algo sobre sua vida, já que ela mesma pensava que havia um muro em sua frente que não lhe permitia mais nenhuma saída. Viera para se reencontrar e se libertar, mas nos últimos tempos se sentia prisioneira, cercada por grades invisíveis.
Uma tarde elas estavam tomando café na cozinha quando ouviram um barulho distante. Foram até ao alpendre e avistaram o velho caminhão e seu rastro de poeira. Sara pediu a Teresa que fosse arrumar seus pertences e convidou Penélope para irem em direção ao caminhão. Andaram por algum tempo em silêncio e então Sara disse: Por um triz, por sete vezes, ela não vai conseguir apanhar você. Por cinco vezes ela já levou um baile, portanto ainda faltam duas. A partir daí seu corpo estará fechado por um longo tempo e você, mais uma vez seguirá a direção do vento
Penélope não estava entendendo nada e Sara leu isso em seus olhos. Continuou, apressando o passo e deixando Penélope para traz, falando para o alto, mas certa de que suas palavras alcançariam os ouvidos atentos. Você não percebeu porque por um triz, nada aconteceu. Quando perceber a presença dela passando ao longe, será a sétima vez e você estará pronta para recomeçar.
Este texto faz parte do desafio do Encanto das Letras e outros textos poderão ser lidos no endereço http://encantodasletras.50webs.com/porumtriz.htm
Um raio caiu diretamente na árvore onde há poucos minutos ela estivera assentada. Tinha adormecido com um livro nas mãos e nem percebera a mudança no tempo. Um farfalhar acordou-a, as folhas do livro enlouquecidas como um leque nas mãos de uma mulher na menopausa afligida pelo calor. Levantou-se assustada, mal parando de pé, o vento empurrando-a na direção contrária ao seu propósito. Custou a aprumar-se e seguiu rápida para a casa, a poeira levantada impedindo sua clara visão, mas não o acerto na direção, tão acostumados estavam os seus passos ao caminho. Era dia ainda, mas nem parecia, como se fosse um começo de noite tenebroso. Raios e trovões, como se a profecia estivesse para acontecer – o mundo acabaria em fogo.
Por um triz não se ensopou totalmente. Mal colocou o pé no alpendre a chuva caiu, contradizendo a profecia. Seria o dilúvio mais uma vez e ela não via nenhuma arca por perto, para se salvar. Parou um tempo antes de entrar na casa para recuperar o fôlego e virou-se em direção da árvore a tempo de vê-la ser atingida por um raio. Foi por pouco, pensou. Entrou em casa preparada para passar uma tarde tormentosa, mas estava enganada. Assim como viera a tempestade passara, tão rápida como um raio cortando o céu. Ainda era dia, embora soubesse que a noite não tardaria. Ainda era dia e de longe ela olhou a árvore carbonizada, completamente destruída, sem uma única folha. Um pensamento, como um raio, cruzou sua mente levando-a se lembrar da velha cigana que um dia passara por ali e lhe dissera coisas. Pensou que esqueceria aquelas tolices, mas volta e meia ela comprovava que, mesmo sendo uma tolice era no mínimo, estranho.
Sara tinha ficado com ela por pouco mais de uma semana esperando que voltassem para buscá-la. Não foram dias fáceis, principalmente depois que fora alertada por Teresa, filha da velha cigana, de que a parada delas ali tinha um objetivo. Sara queria falar com ela, Sara adivinhava coisas e pedira para vir encontrá-la. Ela, a moça dos cabelos de fogo. Mas os dias se passavam e Sara continuava calada, sem nada para falar, apenas olhava e sorria com seu sorriso torto e sem dentes. Penélope não queria apressar a velha, nem mostrar-se curiosa e muito menos dar bandeira – não acreditava naquelas baboseiras de adivinhar coisas, logo não iria perguntar nada.
Quando o caminhão despontou lá no alto, anunciando a chegada da família de Sara e de sua iminente partida, Penélope sentiu uma fundura no estômago, como se fosse prenúncio de uma coisa muito ruim. Sara iria embora sem nada lhe dizer que justificasse a sua parada ali. Compreendeu que ansiava por uma coisa que racionalmente não acreditava – descobrir algo sobre sua vida, já que ela mesma pensava que havia um muro em sua frente que não lhe permitia mais nenhuma saída. Viera para se reencontrar e se libertar, mas nos últimos tempos se sentia prisioneira, cercada por grades invisíveis.
Uma tarde elas estavam tomando café na cozinha quando ouviram um barulho distante. Foram até ao alpendre e avistaram o velho caminhão e seu rastro de poeira. Sara pediu a Teresa que fosse arrumar seus pertences e convidou Penélope para irem em direção ao caminhão. Andaram por algum tempo em silêncio e então Sara disse: Por um triz, por sete vezes, ela não vai conseguir apanhar você. Por cinco vezes ela já levou um baile, portanto ainda faltam duas. A partir daí seu corpo estará fechado por um longo tempo e você, mais uma vez seguirá a direção do vento
Penélope não estava entendendo nada e Sara leu isso em seus olhos. Continuou, apressando o passo e deixando Penélope para traz, falando para o alto, mas certa de que suas palavras alcançariam os ouvidos atentos. Você não percebeu porque por um triz, nada aconteceu. Quando perceber a presença dela passando ao longe, será a sétima vez e você estará pronta para recomeçar.
Este texto faz parte do desafio do Encanto das Letras e outros textos poderão ser lidos no endereço http://encantodasletras.50webs.com/porumtriz.htm