Tia Sandra

“Quem gosta dessazinha ai?”. Minha tia ficou um tempo em São Paulo

E voltou metida a besta. Chamava todos da cidade de pobreza. “Quem gosta dessa pobreza. Cidade grande é diferente, dar pra sentar e conversar com alguém”. Dizia que não saia dos teatros e que viu diversas vezes, Marília Pera de perto. “Um pouco mais gorda que na televisão. Foi muito simpática comigo” . Meu pai que era um safado não saia mais de casa. Minha mãe enciumada, não suportava a fala da irmã, que só contava mentira e exibia o corpo moreno e gostoso.

Deixava todas as mulheres da nossa família invejosas. Essa minha tia, não parecia nada com as irmãs, atormentadas e sem vida. Minha mãe so fazia trabalhar e xingar meu pai, que já nasceu torto e nada fazia ele mudar.

“Eu que não vou servir de escrava pra essa cadela metida. Não sei o que ela veio fazer aqui.” Reclamava das calcinhas sujas que minha tia deixava no cesto. “Ela pensa que sou empregada dela”. Mesmo assim ela lavava. “Filomena, onde está aquela calcinha que deixei aqui. Hoje preciso de algo delicado. Vou sair com Juarez”. A cara do meu pai parecia merda, como se a cunhada fosse mulher dele. “Coloquei na sua gaveta”. “Ai minha irmã o que seria de mim se não fosse você. Te adoro”. E minha mãe odiava.

Ela foi a primeira a beijar meu pai ainda quando adolescente, numa festinha na casa de André Mironga. Nesse época ele ainda parecia gente. Hoje, mesmo com uma barriga de sapo a, ainda causa ciúmes em minha mãe com essa moça em casa. “Carlos, você pode me levar na farmácia”. Ele fazia cara de enfezado fingindo não gostar daquilo. Minha mãe inventava de ir também. “Acho que também vou, preciso comprar um xapu”. Ia todos de cara amarrada. “Juarez é tão homem, é o único que me aventuro nessa cidade. Os outros não servem pra mim. “Mulherzinha nojenta. Conseguiu ficar pior. Só pensa em dinheiro. Se não fosse minha irmã escurraçava ela daqui de casa. Juarez é um vagabundo igual você. Pensava. “Não sei quanto custa o xapu”. “Ah, não me preocupo com os preços das coisas. Meu namorado tem me dado um bom dinheiro.” “Ele não é seu namorado”. “Modo de dizer. Logo logo ele será”. E meu pai que queria tudo pra ele: “Ele não presta, não sai do Rabo da gata”. “Bobinho, sei de tudo, mesmo assim eu quero ele pra mim”. Nada fazia minha tia descer do pedestal.

Olhava pra minha mãe e dava nojo dela perto de minha tia. Meu pai com certeza comparava também as duas. Minha mãe tinha as pernas todas manchadas. Engordou na gravidez e quando emagreceu ficou cheia de carne mole e as estrias aparecendo. E uma tristeza de causar desconforto em qualquer um. Nunca conseguia largar o torto do meu pai. E essa raiva dela só fazia piorar. Porque não conseguia mais amar meu pai e não tinha força pra se livrar dele. E com essa irmã dentro de casa, as coisas que antes ficavam dentro dela começou a aparecer no jeito de olhar e nos xingamentos, que era de corno pra baixo. Os vizinhos todos não via ela com bons olhos. Achava doida. E chamava meu pai de mole de aguentar uma mulher como aquela, cheia de problemas e ainda enfeiada pela dureza da vida. Só fazia trabalhar pra sustentar a casa e meu pai só fazia correr atrás de vagabunda.

“Minha irmã, você podia passar um tempo em São Paulo. Faz tão bem pra gente. Lá não tem esse sol que racha nossa pele. Olha como voltei. Não sei como você agüenta viver nesse lugar, sem nunca ter saído daqui”. Só via minha mãe engolindo seco. Essa minha tia deixava nossa vida pior do que era. Porque nada da gente prestava. Reclamava da comida, da casa, das conversas e ainda deixava as calcinhas manchadas de bosta pra lavar. E ela com medo de desagradar uma promessa que fez . Prometeu pra minha vó, no leito de morte que nunca abandonaria Sandrinha que desde mocinha era sem juízo. Mas de perto era difícil manter essa promessa com sorriso na cara. Minha mãe não quebrava a palavra, mas se arrebentava por dentro.

“Daqui a pouco Juarez chega! Assim que ele chegar você me chama”. Tomou banho demorado, gastando muita energia elétrica, de vez em quando alguém batia forte na porta pra acabar logo porque queria usar. Estava preocupado com valor da conta. Saiu do banheiro escovando ainda os dentes. Foi pro quarto. A penteadeira com todo tipo de perfume. Passou batom e rímel, um vestidinho amarelo e bem curto que até fiquei com vontade de ver o resto. “Ele já chegou?”. “Não, ainda não’. Na janela minha mãe olhava a rua, soltando cusparada de raiva. “Não deixe ele me esperando. Pode mandar entrar aqui dentro”. Tá, Sandra, já escutei, não vou deixar seu Juarez te esperando”. “Você já viu esse perfume novo que comprei? Uma delicia, né. Adoro”. “Já, já vi todos”. Outra cusparada na calçada. “Você acha que esse vestido ta muito curto?” “Ta bom”. “É mesmo, Filó. Com esse sol, é bom pra refrescar uma roupinha leve”.

“Carlos, ta ai?” ” O que você quer com ele?. Nada minha irmã... Só queria saber se ele pode me levar em Itarantim amanha, tenho consulta. Mas depois falo com ele”. Tinha um espelho na sala. Enquanto respondia as perguntas da irmã se olhava no espelho, esticava a pele do rosto e fazia o olho ficar menor. Levantou a blusa e viu a barriga caída. Abaixou rápido, um sentimento de vergonha que me deixou mais constrangido . Um segundo depois saiu minha tia. Entendia agora sua metidez. Deve ter ganhado ela num momento desses de estar arrumada. Parecia gente da televisão. Toda mulher. Toda perfeitinha. Mas ela só via ela mesma na frente. Mesmo depois que já estava muito bonita não parava de arrumar na frente do espelho da sala, um contraste enorme entre ela se olhando e minha mãe tentando se achar.

“O que você acha?. Da pro gasto, né?” “Você sempre foi bonita, nem precisa se arrumar tanto”. “Mas gosto de extravagancia. Os homens ficam loucos!”

Olhou no relógio de parede impaciente. Abotoa aqui, por favor.

Os botão era colocados na casa com lentidão e raiva. Minha mãe não suportava está perto dela. Tinha ódio da promessa. Se fosse verdadeira empurrava porta a fora. E nunca mais olhava na cara.

Esperou Juarez por bem umas duas horas. Minha mãe feliz com a desgraça dela, toda bonita pra nada. Ah, vou me encontrar na casa dele. Agora me lembro, ele pediu isso. Onde estava com a cabeça. Não presto atenção nas coisas”. Ela subiu a rua com o sapato alto, fugindo dos buracos da calçada de pedra. Uma mulher ridícula subindo a rua. Minha mãe soltava outra cusparada. Mas de felicidade.

Voltou tarde da noite com um sorriso desajeitado no rosto. Mais amarelo que sua saia. Dizendo que a noite foi maravilhosa. De quanto conversaram e dos planos dele levar ela pra morar em sua fazenda. Disse que conheceu a família dele, e que estar do lado daquele homem era estar no paraíso. Que Juarez era o homem da vida dela. Minha mãe foi até a janela e rindo deu mais uma cusparada.