Acertando o passo (EC)
(Exercício que faz parte do Desafio Encanto das Letras - tema - O relógio do coração)
Ela folheava o livro displicentemente quando deparou com o poema. Era um texto de Mario Quintana e ela se lembrava bem dele – tinha pegado em um dos balcões da Casa de Cultura em Porto Alegre, um prédio maravilhoso que tinha sido um hotel e onde o poeta vivera grande parte de sua vida. Há tempos em nossa vida que contam de forma diferente dizia a primeira frase. E ela sabia bem disso. Aquela visita a Porto Alegre fazia parte de um tempo contado diferente. Um tempo que passara tão veloz quanto um raio corta o espaço, mas apesar disso durava até hoje. Devolveu o folheto ao livro e desistindo de ler qualquer coisa saiu para dar uma volta. Mas a lembrança das palavras de Quintana teimou em ir com ela, atrapalhando os seus planos do dia: esquecer. Não queria mais se lembrar de uma vida que já não era, mas que teimava em viver no coração. Um passado que teimava em se fazer presente pela dor e pela mágoa. Um passado que nunca mais seria futuro pois os sonhos estavam proibidos em sua vida.
Há semanas que duraram anos, como há anos que não contaram um dia. Podia contar sua vida por esse verso. Podia dividir o tempo que vivera como o calendário fora dividido, em antes e depois – a.C e d. C. O irônico é que fora ele quem pela primeira vez pensara nisso quando lhe dissera um dia, de brincadeira – a sua vida agora se divide em dois tempos: antes de mim e depois de mim. Na verdade estava errado porque havia um terceiro tempo o s.C, um tempo que definitivamente parecia parado.
De repente sentiu uma vontade enorme de saber as horas e olhou para o pulso, livre de qualquer adorno. Apesar de há muito tempo não usar relógio no pulso, a força do habito era persistente . Lembrou-se então de outro verso, que falava sobre o relógio do coração batendo em frequência diferente dos outros relógios, de pulso, parede ou mesa e seu pensamento desviou-se aliviando o coração. Ficou pensando nos relógios que marcaram a sua vida e de sua determinação em livrar-se deles.
O relógio da casa da avó, que definia o dia pelos apitos e sirenes – o apito dos trens que passavam céleres pela pequena estação, as sirenes da Fábrica que determinavam a hora de comer, de ir ao Correio, de parar de trabalhar. Dali até ao colégio interno o vôo foi rápido, bem mais rápido que era quando vivido e se esperava com ansiedade as férias, a casa da avó, os primos. No colégio interno o tempo era marcado principalmente pelos sinos que tocavam para acordar, tocavam para adormecer, para estudar e comer, que anunciavam alegrias e tristezas.
O relógio da sua casa também trazia lembranças. O relógio do qual se ouvia o badalar das horas e meia e que nem era ouvido nos tempos felizes, do coração ocupado, mas cujo som se ouvia initerruptamente no tempo das dores. Pensou então em seu tempo de agora: seus cães a chamavam. Era hora de se alimentar, primeiro eles, depois ela. Conformou-se mais forte que o relógio das horas, o relógio do coração era o relógio do tempo, que inexoravelmente passava, estivesse ela feliz ou não. O pensamento até lhe trouxe um certo conforto e tomou uma decisão: quando fosse a cidade em sua visita semanal, compraria um relógio novo. E talvez até arrumasse um calendário, pois nem mais sabia em que dia estava. Chegara até a ir a cidade em um domingo, para vender e comprar. E encontrara tudo fechado, pois era domingo. Pensou que estava no limite da sanidade, era hora de acertar seus relógios para manter um mínimo de equilíbrio em sua distorcida vida.
(Exercício que faz parte do Desafio Encanto das Letras - tema - O relógio do coração)
Ela folheava o livro displicentemente quando deparou com o poema. Era um texto de Mario Quintana e ela se lembrava bem dele – tinha pegado em um dos balcões da Casa de Cultura em Porto Alegre, um prédio maravilhoso que tinha sido um hotel e onde o poeta vivera grande parte de sua vida. Há tempos em nossa vida que contam de forma diferente dizia a primeira frase. E ela sabia bem disso. Aquela visita a Porto Alegre fazia parte de um tempo contado diferente. Um tempo que passara tão veloz quanto um raio corta o espaço, mas apesar disso durava até hoje. Devolveu o folheto ao livro e desistindo de ler qualquer coisa saiu para dar uma volta. Mas a lembrança das palavras de Quintana teimou em ir com ela, atrapalhando os seus planos do dia: esquecer. Não queria mais se lembrar de uma vida que já não era, mas que teimava em viver no coração. Um passado que teimava em se fazer presente pela dor e pela mágoa. Um passado que nunca mais seria futuro pois os sonhos estavam proibidos em sua vida.
Há semanas que duraram anos, como há anos que não contaram um dia. Podia contar sua vida por esse verso. Podia dividir o tempo que vivera como o calendário fora dividido, em antes e depois – a.C e d. C. O irônico é que fora ele quem pela primeira vez pensara nisso quando lhe dissera um dia, de brincadeira – a sua vida agora se divide em dois tempos: antes de mim e depois de mim. Na verdade estava errado porque havia um terceiro tempo o s.C, um tempo que definitivamente parecia parado.
De repente sentiu uma vontade enorme de saber as horas e olhou para o pulso, livre de qualquer adorno. Apesar de há muito tempo não usar relógio no pulso, a força do habito era persistente . Lembrou-se então de outro verso, que falava sobre o relógio do coração batendo em frequência diferente dos outros relógios, de pulso, parede ou mesa e seu pensamento desviou-se aliviando o coração. Ficou pensando nos relógios que marcaram a sua vida e de sua determinação em livrar-se deles.
O relógio da casa da avó, que definia o dia pelos apitos e sirenes – o apito dos trens que passavam céleres pela pequena estação, as sirenes da Fábrica que determinavam a hora de comer, de ir ao Correio, de parar de trabalhar. Dali até ao colégio interno o vôo foi rápido, bem mais rápido que era quando vivido e se esperava com ansiedade as férias, a casa da avó, os primos. No colégio interno o tempo era marcado principalmente pelos sinos que tocavam para acordar, tocavam para adormecer, para estudar e comer, que anunciavam alegrias e tristezas.
O relógio da sua casa também trazia lembranças. O relógio do qual se ouvia o badalar das horas e meia e que nem era ouvido nos tempos felizes, do coração ocupado, mas cujo som se ouvia initerruptamente no tempo das dores. Pensou então em seu tempo de agora: seus cães a chamavam. Era hora de se alimentar, primeiro eles, depois ela. Conformou-se mais forte que o relógio das horas, o relógio do coração era o relógio do tempo, que inexoravelmente passava, estivesse ela feliz ou não. O pensamento até lhe trouxe um certo conforto e tomou uma decisão: quando fosse a cidade em sua visita semanal, compraria um relógio novo. E talvez até arrumasse um calendário, pois nem mais sabia em que dia estava. Chegara até a ir a cidade em um domingo, para vender e comprar. E encontrara tudo fechado, pois era domingo. Pensou que estava no limite da sanidade, era hora de acertar seus relógios para manter um mínimo de equilíbrio em sua distorcida vida.