A vingança do Nego Bento (EC)
 
Vou contar para vocês um caso muito estranho. Foi assim que aconteceu:
Eu passava as férias na fazenda do meu avô, quando eu era criança. Como em todo lugar no campo, lá também eram contadas histórias fantásticas, em redor da fogueira, histórias que passavam de pai para filho, e que a tradição oral não deixava morrer.
Nós crianças, gostávamos de ouvi-las, mas tínhamos medo, às vezes. Ficávamos bem juntinhos, perto do fogo, para fugir do frio e da escuridão em redor, que aumentava o tom sombrio das lendas narradas.
Os peões se revezavam, cada um com um repertório mais assustador. Tinha o velho Ambrósio, que era considerado o melhor contador de histórias da região. Quando ele falava, o silêncio em volta era de cortar com facão, de tão denso. Podia esperar, que o arrepio era garantido.
O conto dessa noite dizia respeito a um escravo que, muito torturado pelo feitor, morreu da maneira mais cruel: depois de açoitado em praça pública, foi arrastado por um cavalo a galope até o meio do mato, e deixado agonizante para morrer aos poucos, tendo a sua carne despedaçada pelos abutres que nem esperaram o seu fim, para começar a devorá-lo.
Conta a lenda que esse escravo, o Nego Bento, retornava do além, em noites sem lua, para vingar-se. Como não tinha olhos, porque os abutres tinham-nos arrancado, ele voltava a sua ira, a esmo, contra o primeiro que passasse pelo local onde tinha ficado a sua ossada.
Coincidentemente, a fazenda do meu avô ficava bem perto desse lugar, a mesma estrada que levava à nossa fazenda passava por lá.
A história ficou martelando na minha cabeça.
Passados uns anos, eu já rapazola, e continuando a frequentar a fazenda nas férias da faculdade, peguei de um cavalo e fui até a vila. Andava a arrastar a asa a uma menina de lá, e ia cortejá-la no alpendre da sua casa, com a mãe e a avó assistindo a tudo, como quem não quer nada. Metiam o nariz no crochê, mas os ouvidos espichados na nossa direção.
Na volta, já era noite fechada, e eu passava pelo lugar onde Nego Bento morrera de forma bárbara. Ouvi um farfalhar de mato sendo pisado, e o cavalo, assustado, estacou. Mais assustado fiquei eu, quando me lembrei daquela história, ouvida na minha infância. Seria o escravo, querendo vingança? Esta era uma daquelas noites sem lua, a escuridão era total. Eu carregava uma lanterna para alumiar o caminho, e voltei o facho de luz na direção do barulho.
Não sei se eu imaginei, não sei se realmente havia alguém ali, mas a luz mostrou um vulto, como de um homem alto, escuro, que andava na minha direção, carregando alguma coisa parecida com uma foice. Ele brandia aquele objeto no ar, e chegava cada vez mais perto. Com o susto, a lanterna caiu ao chão, e eu senti um golpe de vento passando perto da minha cabeça.
Eu não quis ficar para conferir. Esporeei o cavalo, que saiu voado, e só paramos para respirar na porteira da fazenda. Nunca mais voltei ali. E o namoro? Ah! Eu nem gostava tanto da moça assim...



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Este texto faz parte do Exercício Criativo - ...Foi assim que aconteceu.
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Gy Emygdio
Enviado por Gy Emygdio em 30/09/2011
Código do texto: T3249510