A Estátua de um Mendigo.

Meus pés estão inchados e doem. Os sapatos duram pouco, estouram logo, rasgando nas laterais. Minhas camisas estão fedendo; eu estou fedendo.

O mundo está fedendo e com britadeiras por todos os lados.

Estão concretando tudo!

Um dia concretaram um mendigo que dormia próximo à edificação de uma mega-construção, um prédio comercial revestido de vidro de reflexo, aço e sangue.

Era um pobre velho amigo meu, o Ariclenes, que nem RG, CPF e certidão de nascimento tinha mais. Ninguém deu conta de nada, meteram cimento sobre o velho que dormia e pau na obra.

Ariclenes, por fim, pobre-diabo, acabou seus dias como estátua de um edifício, arte surreal.

As pessoas passavam e elogiavam os engenheiros e arquitetos por tamanha criatividade.

Naquele dia peticionei num pedaço de papel de pão e enviei a solicitação ao douto juiz da primeira vara do foro central. Ele mandou me chamar e me repreendeu, dizendo para eu me cuidar da saúde, antes que mandasse me interditar, e disse-me mais:

“Que história é essa de ficar interferindo nos trabalho dos profissionais?”.

Ariclenes gostava de pinga sim, tinha a cara inchada e fedia feito um porco imundo transpirando bicas em vésperas de festas de fim de ano, mas um dia nasceu, foi criança, sorriu, teve dentes e disse, com confidenciando a mim, numa noite doida, que era um cara feliz, mesmo dentro da mendicância....

Aí fiquei pensando:

“fizeram estátua do Borba Gato, que foi um malandro que devastou e estuprou índias, fizeram estátua do Getulio, aquele Vargas, que vagou do sul para tomar conta do Brasil por um bom tempo, até meter uma bala na cara, fizeram estátuas de quem nem mesmo existiu, e meu amigo Ariclenes foi o primeiro mendigo que vi homenageado em forma de estátua, só que estava vivo e, imagino, não desejava isso...

Savok Onaitsirk, 13.09.11.

Cristiano Covas
Enviado por Cristiano Covas em 12/09/2011
Código do texto: T3216015
Copyright © 2011. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.