Pelo Telefone (EC)
 
 
Ela nunca gostou de falar ao telefone. Conversar, bater papo. Se sente desconfortável, não pode olhar nos olhos do outro. O que fala ao telefone. Para ela sempre foi primordial a conversa olho no olho. O mergulhar no profundo abismo que consegue perceber em  quem lhe fala. Ou no infinito profundo.  Pelo telefone só noticias rápidas, informações. Mas foi pelo telefone que recebeu as notícias mais importantes de sua vida. Elas, as notícias, entram  por um dos ouvidos e ficam lá. A mente se recusa a processá-las, sobre a forma de pensamentos. Como uma bola que bate em uma parede faz pam e volta. É preciso devolvê-la rapidamente, para que o que foi dito seja assumido, mas ela fica como anestesiada. Sempre ouve alguém, o que está do outro lado, distante, perguntando: Você está ai? Ouviu o que eu disse?  Pen, Pen... Penélope, nosso pai morreu... e ela desmonta no chão do corredor onde ficava o telefone. Penélope, sua mãe, seu tio, seu irmão... Mas naqueles dias ela ansiava pelo toque do telefone. Queria ouvir a voz que partira sem ao menos dizer quando voltaria. Sem dizer nada. O último som fora uma batida de porta, a chave girando na fechadura pelo lado de fora. Depois o silêncio falando mais que mil palavras. A incerta certeza de que aquela porta nunca mais seria aberta pelo lado de fora. Mesmo assim ela ficava ali, encostada na parede do corredor, um olho no telefone e outro na porta,  tempos em que desaparecia de si, mas esperava ouvir o barulhinho da chave dando a volta completa na fechadura, ou o telefone tocar. De repente, caindo em si, ia fazer outra coisa. Mas qualquer barulhinho tinha o poder de estacá-la, deixando – a alerta. Será? Ele não liga porque sabe que não gosto. Ele vai ligar porque sabe como fico preocupada...

Quando o telefone tocou finalmente ela já não estava mais pensando nele. Tinha-se conformado. Foi pega totalmente de surpresa quando ouviu a voz do outro lado do telefone: Alô, Pen? , É você Penélope? Diz alguma coisa para eu saber que é você. Pen, Pen, preciso lhe explicar... Preciso que você entenda...

 Mas ela não disse nada. Colocou suavemente o telefone no gancho e depois desligou a tomada. Tinha cansado de esperar.
No dia seguinte ela viajou para o interior. Tinha aceito   o convite para passar uns dias no povoado onde vivia sua faxineira, o convite que mudaria completamente a sua vida. Só que ela não sabia ainda. 


(Em A mulher ensombrada)
 
 
 
 
 
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