O TROTE (EC)

As chamadas se sucediam diariamente... De nada adiantou o identificador de chamada... As ligações sempre vinham de telefones públicos...

A fala repetitiva e sem criatividade insistia em enumerar as aventuras amorosas de sua mulher... Ricos detalhes

Inicialmente tudo foi tomado como um trote de algum tarado... Gerou piadas entre o casal...

Depois, começou a incomodar...

As banalidades ditas eram comuníssimas... Descrições de lugares vulgares visitados pelas tardes com a parceira... Desejos libidinosos e candentes sendo satisfeitos... Datas, por vezes, precisas com coincidentes passeios da mulher...

Um rol de suspeitos começou a surgir...

Intriga de vizinhos... De subordinados... Inveja de infelizes sem amor... Devia ser alguém próximo...

O telefone tocava nos horários mais insólitos... Só falava quando ele atendia... Atendesse a mulher vinha o silêncio e o desligar, sem nova comunicação...

Por mais resistisse, a dúvida começava a destilar seu veneno. Havia riqueza de detalhes, embora fossem sempre as mesmas palavras repetitivas... Passava daqueles lugares comuns tipo cartomante, como uma loira, uma ruiva na sua vida... Havia fumaça no ar...

A mulher não apresentava nenhuma alteração de comportamento. Continuava afável, carinhosa... Nenhum brilho no olhar... Nenhum olhar perdido ou suspiro sonhador... Era absolutamente a mesma...

Todos os dias...

Não comentara o assunto com ninguém, mas permanecia sempre arisco e atento a qualquer fala dos conhecidos... Uma palavra que traísse o autor do trote... Um ato falho de alguém...

Naquela noite não dormiu... Como poderiam saber da cicatriz na perna da esposa? A flebite era algo que poucos tinham conhecido... Ainda, que a esposa continuasse a usar os mesmos maios, biquinis, bermudinhas e saias curtas... Nunca tivera vergonha.

Era com certeza alguém que os conhecia muito bem... Ou, ao menos, a sua mulher...

Não havia motivos para desconfiar... Ou havia? Remoeu-se toda a madrugada, insone, ao lado do sono de anjo da mulher...

Não tinha mais coragem de tocar no assunto com a mulher... Sabia que ela se sentia ofendida com qualquer comentário relativo ao assunto... Isso já ficara claro quando os trotes começaram...

O clima foi estava ficando pesado... A desconfiança ia se acumulando... Passou a ir almoçar em casa intermitentemente... Começou a ligar mais constantemente, também...

Porque o telefone ficara dando sinal de ocupado quase trinta minutos naquela tarde... Não lhe ousou perguntar, mas remoia... E a falta de retorno ao recado deixado na secretaria eletrônica... A mensagem estava gravada quando retornou a noite e a desculpa não havia sido muito esclarecedora... Afinal recado em secretária eletrônica é para ter retorno imediato...

Antes do banho, decerto...

A suspeita e a desconfiança são amigas dos infernos...

O perfume tão costumeiro passa a ser diferente. Qualquer gesto é novo e as palavras começam a ser avaliadas e investigadas...

O seu comportamento mudava ante a persistência das ligações... Apesar da repetição da ladainha da voz, parecia-lhe que os detalhes se tornavam cada vez mais e mais íntimos...

A sua mulher nos braços de outro era imagem inconcebível... Justo ele, sempre tão fiel, não merecia tal perfídia...

Decidiu-se...

Iria contratar um detetive particular... A idéia brotou rápida... Conhecia um detetive no Centro... Ligaria e o contrataria para seguir sua mulher...

Assustou-se ante a sensação de contar a história para um estranho... Isso iria gerar mais suspeições e a notícia poder-se-ia espalhar... Afinal, os detetives, como bem disse Mario Quintana, têm amigos, que têm amigos, que têm amigos e brevemente todo o mundo estaria sabendo da infidelidade de sua mulher...

Melhor seria a separação... Tinha o motivo... Sairia um pouco cara a pensão, mas era melhor que suportar a infidelidade...

O advogado da empresa iria lhe cobrar um preço módico pelo divórcio...

Cuidado... O advogado era muito tagarela... Bastavam-lhe umas cervejas e desatava a contar casos hilários que haviam passado pelas suas mãos... Se era assim com outras situações, porque não seria com o caso dele? Rapidinho estaria na boca do pessoal da empresa... Estava frito... Já começava a imaginar todo o pessoal olhando para ele com ar de chacota...

Não senhor... Nada de advogado, nem detetive...

Se estava sendo traído, iria ficar em silêncio... Guardando segredo... Um segredo a três... Ele, a mulher e a voz...

Mas não ficaria assim, não... Iria se vingar...

Ele que já havia resistido a alguns assédios de colegas e clientes... Tudo pela fidelidade jurada e juramentada...

Quando saísse naquela manhã seria outro homem... Outro comportamento...

Iria se vingar... Iria se vingar...

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Este conto está em meu livro “Vampiros... do outro lado do muro...”

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O texto faz parte do Exercício Criativo - Pelo Telefone

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Pedro Galuchi
Enviado por Pedro Galuchi em 29/08/2011
Código do texto: T3188360
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