AINDA SOMOS SEIS MAS JÁ FOMOS FELIZES - Parte I - Final

A mãe gostava mesmo era de reinar no mato.

Fazia Q-Suco de morango, bolo que só ela sabia a receita, punha tudo numa sacola, juntava a meninada e ia tudo pro mato fazer piquenique e catar gabiroba, uma frutinha silvestre que ela adorava e que eu nunca entendi porquê.

Acho que isso tudo era o jeito que ela arranjou de ficar bem perto da sua infância, afinal, saudade não é exclusividade de ninguém.

Rico, pobre, preto, branco, católico ou crente, todo mundo sente.

A nossa casa era boa.

Grande, arejada, tinha um cobertão bem grandão com fogão de lenha e dois tanques enormes, azulejados - um luxo! - azulejo também no banheiro, até o teto - o pai não poupava.

Mas aí veio a doença da mãe que foi levando tudo embora - casa, caminhão, bicicleta - só deixou mesmo, os filhos.

Gastou, surrupiou, comeu, lambeu os beiços a tal doença.

Acabou com tudo. Até mesmo com a mãe. Sem dó.

E não esqueceu de acabar com a gente também, que ainda hoje sangra ferida exposta.

E quando a mãe morreu, o mundo endoidou. E o pai e eu também.

A vida ficou fria e me congelou por mais de quarenta anos.

Mas, como eu já disse, ao nascer eu tava era treinando pra viver, só que não sabia. Até hoje sou resistente, persistente, insistente. Brigo, bato o pé, mas não caio. E se escorrego mais forte, aproveito o joelho no chão e chamo pela Virgem Maria - coroada por mim! - valei-me Mãezinha, me põe de pé que não nasci deitada. Quase mato a mãe justamente por botar nesse mundo de meu Deus, em primeiro lugar, os meus pés.

E foi crescendo e vivendo que descobri que meu peito é um mundo muito maior que o mundo, viiixi, põe maior nisso!

No meu peito cabe um tantão de vidas, histórias, lágrimas e risos meus e dos outros. Um fardo pesado demais de saudade, quase nem dá pra carregar.

Leão Martiniano Damasceno e Geralda Célia Damasceno - O "Lião" e a "Celinha" - o meu pai e a minha mãe.

Eles cansaram de tanta luta.

Morreram e foram embora.

Mas os irmãos e eu ainda estamos vivos.

Ainda somos seis.

Se eu cansar primeiro, aí é o fim da história.

Se não...haja, viu?!!

Isabel Damasceno
Enviado por Isabel Damasceno em 18/07/2011
Reeditado em 18/09/2019
Código do texto: T3102339
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