O Casamento tem dessas coisas.

Alfredo comia cenouras, bebia cervejas e escrevia contos todas as tardes, após o expediente. Isso perdurou por 32 anos, até que sua mulher, Carmelinda, sofreu um colapso nervoso; não queria mais que Alfredo comesse cenouras, bebesse cervejas e escrevesse contos todas as tardes após o expediente; nem antes, nem durante e nem depois.

Estava cansada, dizia; cansada de ser sempre a mesma, de ver Alfredo ali, fazendo sempre a mesma coisa, a mesma coisa...

Tudo o que Alfredo mais queria na vida, além da relação intrafemural (óbvia, natural, lasciva e gutural), e isso fora dito logo no primeiro dia de namoro, era beber cervejas, comer cenouras e escrever contos após o expediente. No início Carmelinda até concordou, sem dor nem ressalva. Até riu diante tal assertiva de Alfredo, então seu namoradinho querido, um bebê, como dizia carinhosamente.

“Comer cenouras, beber cervejas e escrever contos, após o expediente, você pode, meu amor, até que a morte nos separe!”, dizia Carmelinda, efusiva.

Alfredo era tão pueril em seus atos, e Carmelinda tão doce que, vistos por quem estava nas proximidades, pareciam dois anjos que se juntaram na terra para se perpetuarem nos infinitos estelares... Que nada! Todo natal tinha briga!

No começo do casamento Alfredo não só bebia cervejas, escrevia contos e comia cenouras, mas também fazia o café da manhã e abria o portão para Carmelinda, fazia-lhe massagens nos pés e dizia-lhe ser uma mulher linda; e Carmelinda mimava Alfredo como se o mesmo fosse uma criança, dando-lhe latinhas de cervejas, acariciando-lhe as costas antes de dormirem, fazendo-lhe canções de quatro, de cinco, de frente e de costas, de tudo...

E assim os queridinhos, os casadinhos da américa do sul, viveram por 32 anos...

Até o dia em que Carmelinda, como dito alhures, explodiu em atos e gestos e palavras nevralgicas:

“Saia logo da minha frente, seu canalha!”. Você nunca me deixou eu ser eu!. Sempre ficou jogado no seu canto bebendo cervejas, comendo cenouras e escrevendo contos, enquanto eu ficava sozinha no sofá ou na cama, assistindo televisão...”.

No que Alfredo, abruptamente (como gosto desta palavra!), tranquilo, respondeu:

“Linda, minha flor campestre, sempre te disse sobre minha verdade desde o início; por que você não disse a sua?”...

“É que a minha (verdade), retrucou Carmelinda, sem sequer esperar Alfredo terminar a frase, era peidar escondido, e isso me fora cerceado por todos esses anos, já que sempre gostei de peidar escancarada e estrondosamente, e tinha vergonha de você. E agora, depois de todos esse anos, não consigo mais! Preciso peidar em paz!”.

Imoral da história: todo relacionamento, no início, tem aquele que está mentindo ou omitindo.

Savok Onaitsirk, 08.06.11.

Cristiano Covas
Enviado por Cristiano Covas em 09/06/2011
Código do texto: T3023480
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