A Pretendida

A Pretendida

Nunca teve uma namorada, não que fosse um celibatário, apenas mostrava-se desajeitado em estar na companhia de alguma mulher, principalmente das moçoilas casadoiras. Era bem afeiçoado, e os olhares das donzelas não lhe faltavam, porém ele nunca os retribuía de imediato. Nessas ocasiões, fincava os olhos no chão, só arriscando um ligeiro olhar quando já bem distante. Sua vidinha seguia assim, sem maiores novidades, e se resumia ao seu trabalho.

Foi num acaso que ao entrar num sebo, algo na entrada da acanhada livraria, chamou-lhe a atenção. Um livro de auto-ajuda chamado: Conquiste a mulher dos seus sonhos. Não era adepto desse tipo de literatura, preferia os eruditos, porém naquele momento, apelou. A estampa da capa era bem sugestiva, creio que o leitor já tenha a esse momento imaginado como era. Por sorte a dona do estabelecimento era uma velhota que parecia ter dificuldades em enxergar e isso parece ter facilitado ao jovem, a aquisição do tal livro. Por razões óbvias ele se sentiria inibido em adquiri-lo, numa dessas livrarias movimentadas, atendidas por jovens ativos. Com certeza, lá não o compraria.

Abelardo Melgueiras, era o nome do rapaz. Passou então a protagonizar, não o conquistador barato, mas sim aquele de classe, cheio de romantismo, como sugeria o seu recém adquirido livro. O seu quarto se transformara num palco onde ele se transformaria nesse homem que conquistaria a mulher sonhada.

Um espelho monitorava todos os seus passos, corrigindo-o aqui, e alí. Num instante, Abelardo se revelava ótimo aluno, sem saber, ele fazia o que se chama de treinamento de habilidades. E assim foi durante algumas semanas até que numa noite daquelas, o rapaz foi considerado apto a sair à luta. O livro lhe dera finalmente o certificado de aprovação tão esperado, e com méritos. Agora só faltava a parte prática. Ah! os livros de autoajuda.

Passou a se sentir o ás das conquistas. Que tipo ou estilo de mulher escolher? O medo e o embaraço, pareciam coisas superadas, e temos aqui que admitir um grande progresso de Abelardo. O luxo da escolha, quem diria! Ó dúvida cruel e agradável ter assim em mãos, tão generosa relação de escolha! E o rapaz parecia mesmo decidido. Reservou mais tempo para sair. Passou a observar mais, a se expor mais. Enfim, tanto o jarro vai à fonte que um dia se quebra! Nesse caso, a quebra da timidez.

Numa tarde, voltando do trabalho, ele resolveu deixar-se levar pelos seus instintos. Caminhou a esmo e quando deu fé, estava no sentido inverso de onde morava. Seguia agora, pela rua Montiel e até a metade do percurso, o muito que encontrou, foi pouco para as suas perspectivas, mesmo assim estava confiante. Caminhou um pouco mais e antes do final da rua, avistou na janela de um sobrado uma linda jovem, e dela se encantou. Ah! se essa jovem criatura soubesse o bem que faria ao coração daquele que ali passava. Era só uma ligeira olhadinha, e pronto!

Então ali vivia uma princesa em sua torre de marfim, a pretendida, a venerável e estava ali a poucos metros dele. Era real, existia sim. O primeiro passo foi dado, agora só faltava a conquista de fato.

Caminhou um pouco mais e disfarçadamente retornou passando bem em frente à janela. Observou-a com comedimento guardando na memória os seus principais traços. E assim, retornou para casa com um ar diferente. Porém, se ele observasse bem a lição número dois, poderia ter avançado um pouquinho mais. Mas, convenhamos, o progresso de Abelardo é moroso, porém, contínuo.

Passou então a fazer esse caminho sempre que retornava do trabalho, e na maioria das vezes, a encontrava na janela.

Passarinhava pra lá e pra cá, mas não se decidia, e tanto foi a sua indecisão, que ele resolveu criar um nome fictício para ela. Assim, até o dia em que se resolvesse teria ele um nome para repetir durante seus devaneios, afinal de contas ela tinha um nome, não? O que lhe veio à cabeça, veio num estalo. Dulcinéia. Presumiu então que ela tivesse mãos de fada, na voz um murmurar de brisa, um beijo doce como o próprio nome e etc..Temos aqui que admitir mais uma vez, apesar da indecisão, um outro progresso do rapaz. O seu objetivo tem até um nome, e não importa se verdadeiro ou não!

Aquele bater de asas por lá, duraram alguns dias, e embora parecesse um projeto que não saia do papel, a obsessão era real. Um caso assim, pode levar um homem à loucura e antes que isso pudesse acontecer, Abelardo resolveu finalmente tomar uma atitude.Com seus botões marcou hora e dia, agora romperia de vez essa barreira e se declararia pessoalmente à sua amada Dulcinéia.

Era sábado quase verão, e Abelardo Melgueiras colocou sua melhor roupa, banhou-se com sua colônia preferida, empastou os cabelos com glostora repartindo-o ao meio. Bafejou os óculos limpando-os na lapela da camisa e saiu, passando antes na confeitaria Castelões, que era o ponto de encontro dos amigos, principalmente nas resenhas de futebol.

E foi ele mesmo quem pavoneou tanto, tanto, que os amigos já o perturbavam com zombarias. Assim que pisou no recinto, foi logo provocado por Vadinho:

__ A onde vai assim todo engomado? Ah!, já sei, vai se encontrar com a princesa Dulcinéia, não é? Gente! Cadê a reverência? Temos aqui um príncipe. Gritou com um olhar finório.

Diante daquela turba, Abelardo ficou desajeitado, mas se manteve firme, nada respondeu, só um sorriso amarelo. Pediu chicletes e cigarros, e logo saiu de cena. Pronto! Roupa impecável, cheiroso, ansiedade. Agora era só pegar a rua Montiel e caminhar até onde a sua doce princesa o esperava. __ Mas, que loucura de Abelardo. E o infante partiu, marchou resoluto e na medida em que a distância diminuía, aumentava a sua apreensão. Acendeu outro cigarro, o terceiro em vinte minutos.

Parou, estava nervoso, deu uma profunda tragada e continuou. Agora, caminhava mais lento, não que o fizesse para não chegar, é que estava a pensar no que deveria dizer quando lá chegasse. Formulava frases e mais frases, porém nenhuma que lhe satisfizesse. Sua mente estava como areia fina e seca, para moldá-la era preciso umedecê-la. Deixou de lado as frases e prosseguiu, faltava pouco.

Quando já próximo do local, observou certo movimento para uma rua pacata como aquela. Fila dupla de automóveis e gente vestida a rigor principalmente em frente ao sobrado. Aquela imagem o deixou confuso. Caminhou vagarosamente até o portão e ficou estático, boquiaberto, quando viu sair a sua Dulcinéia em passos cuidadosos, dentro de um lácteo e longo vestido de noiva e rosto ligeiramente encoberto por um fino véu. Mostrava-se feliz, rumava para a igreja, seu pai a conduzia.

Abelardo dissimulou olhando para o próprio relógio, e atarantado saiu apressado dobrando a primeira esquina que viu.

Estava pálido por fora e por dentro. Ficou com vergonha do próprio nome. Só queria sumir do mapa, e fora isso ainda havia o infortúnio daquela turba.

Sentou-se num banco de praça queria espairecer, outro cigarro o acompanhava. O que ele desejava mesmo era se enfurnar em seu quarto e dormir. E na volta para casa, deu de cara com dona Cotinha, a dona da pensão onde ele costumava frequentar. Para não perder o costume lá estava ela debruçada sobre o muro da casa resenhando a vida de quem por ali passava.

A tarde estava muito quente, abafada, nenhuma folha se movia nos arvoredos. Dona Cotinha sem perder tempo convidou-o para conversar. Amava uma boa prosa, e com apurado carinho providenciou outra cadeira e um copo de refresco.

A língua de relha da boa senhora, cavava sulcos e mais sulcos de maledicências. Sem nenhum escrúpulo falou da insanidade de uns, da avareza de outros, e da leviandade de muitos. Porém, a mente de Abelardo nada assimilava, encontrava-se distante dali. Ele fumava copiosamente enquanto a senhora tagarelava e se abanava com um velho leque. Ele bem que precisava de um ombro amigo, porém, não aquele!

Quando a iluminação da ruazinha já pedia passagem, Abelardo se despediu da senhora e rumou para casa. Ao passar na confeitaria, foi logo cumprimentado por Vadinho e Alex, que discutiam futebol.

__ Tem um cigarro ? Perguntou um deles.

__ Um pra mim também, gritou o outro.

Enquanto Abelardo abria o maço que acabara de comprar, disse Vadinho em tom de deboche:

__ Então, a velha da pensão, mudou de nome? E todos que estavam ali, ouviram e riram..

Abelardo, profundamente abatido, não teve como replicar. Antes que o escárnio o consumisse de vez, saiu cabisbaixo e em passos largos ganhou o portão de casa, abriu-o com um pontapé e entrou….

rev. em 19/06/22***

rev. em 19/06/22***

José Alberto Lopes ® 2005

José Alberto Lopes
Enviado por José Alberto Lopes em 07/05/2011
Reeditado em 02/01/2023
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