A sua imagem e semelhança (EC)
 
 
 
A grande pedra fica ali, perto do rio. É uma pedra enorme, uma pedra parda, árida e seca, apesar da proximidade da água. Há uma fenda, como uma grande cicatriz, da qual se pode imaginar um parto, como uma cesárea mal sucedida. Uma pedra parideira capaz de ter se multiplicado em outras, perdidas na vida. Ela gostava de se assentar ali, no chão, batendo a cabeça levemente na pedra, a ponto de sentir a cicatriz. Levava sempre um livro para ler e foi ali que leu A Educação pela Pedra, do poeta João Cabral de Melo Neto. Desde então dizia a si mesma, já que era a única pessoa com quem podia conversar, que ali era a sua escola: estava sendo educada pela pedra, cada dia uma lição. Mas o que uma pedra poderia ensinar-lhe? Pois foi ali, com a pedra, que ela aprendeu a sobreviver à dor da ausência das palavras faladas, o som sendo apenas um eco na lembrança e assumiu para a vida a postura fria e estática que possibilitou a sua resistência. Não apenas havia uma pedra no meio do caminho, a pedra era o próprio caminho condutor de sua desesperança, da vida impessoal que escolhera ter. Foi a pedra quem serviu de modelo para que, como um escultor, pudesse construir-se a sua imagem e semelhança.
 


 Este texto faz parte do Exercício Criativo - A Educação pela Pedra
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