Ouviu um rosnar que não lhe era estranho e foi à janela conferir.

Não era nada.
Nem ninguém.

Um cão, já bem conhecido na praça, babava na calçada e mal se aguentava sobre as patas que sangravam.

Como pode?
Seria mesmo um cão?

Aquele animal rosnando e babando, rastejando sem destino, implorando que a morte o levasse, era a mais perfeita imagem da Paixão.

Fechou a janela.
Conferiu os trincos
Puxou a cortina.

Espalhou pensamentos na cama e os pegou, um a um.
Mas eles escapavam entre os dedos trêmulos de suas mãos.

Encheu os ouvidos de fartas bolas de algodão, e cobriu a cabeça com o travesseiro.
Sentiu no corpo alguma lembrança - ah... seria uma lembrança passageira.

Afinal, não era nada.
Nem ninguém.