Mudança dos Ventos (EC)
Naquela manhã, quando saiu para sua ronda habitual, sentiu a mudança dos ventos... A ronda, acompanhada ou precedida por seus cães, era um hábito rotineiro. Sentir a mudança, não... Acontecia esporadicamente, mas sempre foi sensível a essas mudanças, tudo tão imperceptível que falando, ninguém acreditava. Por isso, nem falava... Não queria mesmo que soubessem, mesmo quando havia alguém para saber.
Ela dizia: os ventos estão mudando e as pessoas que ouviam rebatiam: não estamos sentindo nada, o vento está como sempre esteve, como hoje pela manhã e ontem à noite. Não adiantaria de nada argumentar que os ventos dos quais falava iam muito além daqueles que a natureza fornecia. Não que não fossem naturais, eram sim, mas ela sabia que sempre os percebia primeiro e que quando isso acontecia, outros significados era necessário buscar. E não dava outra – mortes inesperadas, chegadas e partidas, coisas assim, da vida aos quais a ela não interessava realçar. Ela sabia e pronto. E sabendo, esperava.
Não tinha idéia, porém, de quais mudanças o vento traria. Não dessa vez... O que mais poderia mudar em sua vida? Estava ali vivendo sozinha há tanto tempo, naquela cidade abandonada e cheia de fantasmas. Até com eles já se acostumara. Não queria que os ventos alterassem a sua rota. Queria que seguissem seu caminho e a deixassem ali, em paz.
Um avião cortou o espaço aéreo, bem alto, quase invisível. Nem saberia que era um avião não fosse um rastro de fumaça seguindo um pássaro prateado. E então de repente ela soube – lá dentro, naquela massa metálica, havia alguém voltando para casa. Agora era só esperar...