BRIGADEIROS SUSPIRADOS EM NUVENS DE CHANTILI

Mirela tinha um sonho na vida. Desses que povoavam seu pensamento desde a hora que acordava até dormir. Qualquer tempinho de sobra, lá estava ela, sonhando. E não era um sonho qualquer... Não era sonho bobo de menina. Era objetivo de vida. Sonho profissional.

Em sonhos acrescentava chocolate amargo, diminuía a quantidade de leite, apagava tudo e imaginava suspiros... Sonhava com colheres de pau, açúcar, confeitos, chocolates...

Brigadeiro... Sua paixão desde a infância. Queria um brigadeiro diferente, em cheiro, textura e sabor. E punha-se a imaginar receitas e mais receitas. Tinha um caderninho onde anotava suas idéias e desenhava três boquinhas quando era bom, quatro quando era uma delícia, mas cinco boquinhas... Nunca chegou ao brigadeiro das cinco boquinhas...

Um dia, passando em frente a uma doçaria, parou em frente à vitrine com os olhos brilhando, sua boca ficou aguada e ela ficou muda de emoção. Que perfeição...

Entrou na doçaria e pediu aquele brigadeiro brilhante, com um ninho de suspiros em cima, e um morango vermelhinho, confortavelmente deitado sobre a nuvem de chantili. Os cantos de seus lábios quase chegavam às orelhas de tanta satisfação.

Quando uma moça lhe entregou o doce, Mirela pegou o pires com o cuidado de quem aninha nos braços um recém-nascido... Colocou o pequeno pratinho sobre a mesa e ficou olhando encantada, decidindo por onde começar a experimentar aquela delícia.

Teve ímpetos de experimentar a mistura de todos os sabores, mas respirou fundo, e com calma e reverência, experimentou delicadamente primeiro o chantili, depois o suspiro e depois o brigadeiro. Só então, numa só colherada, abocanhou o conjunto da obra! Se o paraíso existia era ali, naquele momento. Ouviu até o canto dos anjos e flutuou de felicidade...

Precisava aprender a fazer aquele brigadeiro. Combinação perfeita. Soberba... Maravilhosa! Seis boquinhas...

Pediu para falar com o mestre dos brigadeiros. Foi-lhe concedida uma audiência e pediu-lhe a receita. O doceiro tinha quase dois metros de altura, um verdadeiro armário de mantimentos e nem combinava com o avental branco e a touquinha na cabeça.

Teceu os maiores elogios, explicou entusiasmada sobre a sua procura pelo brigadeiro ideal, enquanto o homenzarrão a olhava com um ar desconfiado. Quando parou de falar, ele ainda a olhava de cima abaixo, decerto, analisando se daria ou não a receita.

- Tudo bem, mas o aprendizado leva tempo... Se quiser mesmo aprender esteja aqui amanhã de manhã, às 7 horas da manhã!

Na manhã seguinte, Mirela estava na porta da doçaria, ansiosa para realizar o sonho de sua vida... O homenzarrão estendeu-lhe um avental e uma touca e apontou para uma pilha de louça suja a ser lavada e recomendou que fosse delicada com a louça, comedida com o detergente e usasse apenas água o suficiente.

Bem, não custava nada lavar a louça. Quem sabe depois da louça limpa ele a ensinaria. Terminou de lavar a louça e o homem entregou-lhe uma lista de compras. Era uma lista de frutas. Ele lhe deu a lista e pediu que fosse comprar no mercadinho, atravessando a rua. Recomendou que trouxesse as mais doces e mais cheirosas...

Mirela tirou o avental e a touca e atravessou a rua pisando duro. Isso já era abuso... Pegou a lista e começou a escolher as frutas. Cheirou, apalpou de leve... Como saberia quais as mais doces? Cheirosas tudo bem... Mas as mais doces?Impossível... Estava ficando desanimada, quando o vendedor se aproximou em gargalhadas...

- Está acontecendo de novo! Hahahahahahaha... Escolhe direitinho que o Máximo é exigente!

Máximo... Devia se sentir o máximo mesmo. Onde já se viu tanto abuso e despropósito. E ainda teria que pagar pelas frutas, pois ele não lhe dera um centavo. Apenas mandou que as comprasse.

Com um bico enorme que faria inveja a qualquer tamanduá, pegou a carteira, mas o vendedor disse que depois acertava com o Máximo.

Pelo menos agora sabia que o nome do maxi senhor era Máximo...

Chegando à doçaria, Máximo pediu que colocasse as frutas na fruteira e ela assim o fez. Colocou novamente o avental e a touca e dessa vez, ele lhe estendeu uma tigela com muitas claras de ovo e pediu que as batessem em neve.

Olhou para ele pensando em negar-se, mas ele nem deu atenção. Quero que bata com firmeza, mas com delicadeza, sem parar, formando grandes picos.

Com o rosto vermelho e a sobrancelha franzida de insatisfação, começou a bater as claras. E como mágica, ao ver o volume das claras crescendo e ficando brilhantes, sorriu satisfeita e entregou claras em neve brilhantes e em picos.

-Muito bem, disse Máximo. Agora incorpore devagar à massa de bolo que estou preparando... Coloque naquela assadeira untada e coloque no forno que já está aquecido. Depois lave a louça, tire o lixo e pode ir para casa descansar...

- Mas... E o brigadeiro?

- Amanhã! Tenha uma boa tarde!

Mirela estava tão brava que deu um boa tarde entre dentes e foi embora. Que desaforo... Os pés doíam, pois não tinha nenhum banquinho sequer para se sentar. E ainda por cima começou a chover forte! Chuvas de verão! Chegou em casa toda ensopada, com os cabelos pingando e o sapato alargado por causa da chuva...

Estava tão cansada que tomou um banho e acabou dormindo a tarde inteira. Nem deu tempo para sonhar dessa vez.

No dia seguinte, Mirela pensou mil e trezentas vezes antes de ir à doçaria. Mas não iria desistir agora. Não depois de ter trabalhado feito escrava por uma manhã inteira. Esperava não ser mais uma manhã escravizante sem brigadeiro!

Chegou à doçaria um tanto que desanimada, mas tudo estava diferente. A cozinha limpa, com cada coisa em seu lugar e sobre a mesa, a fruteira com as frutas.

Máximo chegou com um sorriso nos lábios e estendeu-lhe a touca e o avental.

- Muito bem, passou no teste! Para fazer um bom doce é necessário ter disciplina, ser comedida no uso dos ingredientes, usando a quantia exata. Nem mais, nem menos... Sentir o sabor antes mesmo de provar, só percebendo o aroma, as cores, a textura. Ter senso estético para decorar os doces, seja com frutas ou suspiros ou confeitos e ter a cozinha limpa, como um templo. Fazer um doce é como fazer a mais linda oração. Tem que encontrar a combinação perfeita e tudo com muito bom humor.

Dessa vez, Máximo ensinou-lhe a descobrir a quantidade exata de chocolate amargo, chocolate ao leite e a incorporar chantili e claras em neve. Ensinou-lhe o ponto exato do suspiro com puxa-puxa no seu interior e como deitar o moranguinho sobre a caminha de chantili.

Na hora de provar sua obra prima, lágrimas de felicidade e satisfação escorriam-lhe dos olhos. E emocionada, viu um cliente saboreando deliciado, um dos brigadeiros feito pelas suas mãos. Não era qualquer brigadeiro. Era um brigadeiro aerado, com um ninho de suspiros, caminha de chantili e um moranguinho descansando feliz...