FÉRIAS SILENTES

Susane se espreguiçou esticando os braços, ainda deitada e piscou um olho diante da claridade que entrava pela janela do seu quarto. Deu um pulo, correu a abrir as janelas e deu um sorriso ao avistar pássaros voando de uma árvore a outra e um beija-flor que passeava entre as flores. Há quanto tempo não parava para apreciar coisas tão simples. Realmente, estava mesmo precisando de férias...

Hoje podia se dar ao luxo de descer de pijamas para o café, sem pressa, sem pentear os cabelos... Apenas lavou o rosto e prendeu os cabelos num rabo de cavalo. Fazia tempo que não ficava só, mas definitivamente, não tinha saudades nenhuma da bagunça feita pelos irmãos no café da manhã.

Muito bom ter alugado uma casa no campo, só para ela, seus pensamentos e sua gostosa preguiça.

Fez café e esquentou em uma frigideira um pão com manteiga. Nunca um X-Miséria lhe pareceu tão gostoso...

Estava no seu último bocado quando ouviu o barulho de um carro. Não havia dado seu endereço a ninguém. Quem poderia ser, pensou apreensiva. Com o coração aos pulos espiou pela janela da cozinha e viu um homem baixinho e truculento, com os cabelos desgrenhados descendo do carro, com uma pequena valise e um saco de supermercado.

Quando ia se encaminhar até a porta, ouviu o barulho de uma chave girando. Instintivamente, pegou a frigideira e quando o pequeno homem ia entrando, de surpresa deu-lhe com a frigideira na cabeça.

- Au... Isso dói. Mas o que está fazendo em minha casa?

- Como sua casa? Aluguei essa casa por uma semana. Que brincadeira é essa?

- É. Já devia ter imaginado... Meu irmão deve ter alugado sem me dizer nada. Típico dele querer lucrar às minhas custas... Eu voltei duas semanas antes do que previa... Bem, não sei quanto a você, mas estou bem cansado da viagem e vou descansar um pouco depois de um belo banho...

Susane emudeceu e olhando atônita, num fio de voz perguntou: - E eu, que eu faço?

- Bem, o mais sensato é pegar suas coisas e ir embora.

Mesmo sabendo que ele tinha razão, não podia estragar suas férias só porque nem sei quem chegava e dizia ser o dono da casa. Tá certo, ele tinha a chave, mas isso não lhe dava o direito de expulsá-la assim. Era seu direito. Pagou adiantado, afinal.

Susane respirou fundo e fingindo segurança, disse, num tom um pouco mais alto do que queria: - Não vou sair daqui. Por favor, volte daqui a uma semana.

O homem baixinho, de quem nem sabia o nome olhou para ela entre irritado e divertido. Pegou o telefone e falou muito rápido, numa língua estranha, talvez russo, grego ou alemão e passou o telefone a ela. Do outro lado da linha, uma voz masculina se desculpava e dizia que devolveria o dinheiro e que o aluguel estava cancelado.

Isso não podia estar acontecendo. Acordou tão feliz e agora no seu primeiro dia de férias, tudo desabava... A voz continuava falando, mas ela já não ouvia mais nada. Conseguiu apenas segurar o telefone com os braços ao longo do corpo e de repente, desatou num choro incontrolável. Soluçava feito criança e repetia entre uma fungada e outra: Eu preciso... muito... dessas férias. Que que eu faço? Não é justo...

O homem olhava aquela cena sem entender porque tanto choro. A sua casa não era nenhum palácio, muito menos um hotel cinco estrelas. Era só uma casinha de campo, com um laguinho, árvores, cerquinha branca e flores... De início estava irritado, mas de repente, deu uma gargalhada e no susto, Susane parou de chorar e limpou os olhos com as costas das mãos.

Susane o encarou com raiva e espanto e perguntou do que ele achava graça afinal? Não estava achando nada engraçado.

- Desculpe! Mas a sua reação foi tão exagerada que de irritado passei a achar graça. Nem sei porque quer tirar férias num lugar longe de tudo e porque tanto desespero por não poder ficar aqui. Está bem. Desde que não me incomode, pode ficar aqui.

- Mas... Vim aqui justamente para ficar só.

- Finja que não estou aqui. Estou sendo solidário em deixar você ficar. Ou é isso ou nada. Não vou sair da minha casa só porque meu irmão alugou a minha casa para não sei quem. A propósito, qual o seu nome?

- Susane. Aceito ficar... Mas como faremos com as áreas comuns, como sala, cozinha? Quando você usar, devo sair de perto?

- Nem tanto, Susane. Finja que o quarto em que está é um chalé e que existem áreas comuns de convivência e divirta-se com a sua solidão.

Dizendo isso, o homenzinho guardou os mantimentos no armário e subiu as escadas. Entrou no quarto em que Susane passara a noite e disse em voz alta: - A propósito, importa-se de mudar-se para o quarto de hóspedes? Esse é o meu quarto.

Susane subiu as escadas, pegou as malas ainda fechadas e levou-as ao quarto ao lado. Por sorte tinha chegado tão cansada que nem tinha desfeito as malas. Tinha apenas colocado o seu pijama num ato de rebeldia de uma noite sem banho e sem fazer nada...

Quando ia voltar novamente para agradecer e perguntar o seu nome, encontrou a porta fechada e ouviu o barulho do chuveiro e um canto completamente desafinado. Voltou lentamente para o quarto que seria seu nessas férias, pensando se não teria sido melhor ir embora.

Entrou no quarto e passou a chave. Deitou-se na cama e ficou olhando o ventilador do teto girando. O que iria fazer mesmo antes desse homenzinho estragar tudo? Ela poderia fazer o que quisesse, mas de repente tudo ficou muito sem graça. Então porque não ia embora? Só para valer seus direitos? Ficou horas avaliando se ficava ou se ia embora, até que adormeceu.

Acordou com um barulho estranho e espiou pela janela. O homenzinho podava as árvores com uma tesoura, em cima de uma escada. Depois, recolheu todos os galhos do chão e colocou-os num saco preto de plástico.

Susane desfez as malas, tomou um longo banho e desceu para ver o lago.

Ao chegar no lago, encontrou o homenzinho sentado num banquinho, segurando uma vara de pescar. Ele estava tão concentrado na pescaria que nem a percebeu. Sentou-se à sombra de uma árvore e ficou vendo ele pescar. Ele havia fisgado dois peixes. E parecendo ter finalmente percebido a sua presença, perguntou: - Gosta de pescar?

- Nunca pesquei, disse ela. Tenho nojo de pegar em minhocas.

O homenzinho riu e disse: Experimente com pedacinho de pão.

Susane pegou a vara de pescar que o homenzinho lhe ofereceu e lançou o anzol que enroscou num galho. Divertido, ele desenroscou o anzol e ensinou-lhe a lançar o anzol na água. Quando já pensava em desistir, fisgou um peixinho. Ficou tão feliz. Nem imaginava que fosse tão bom pescar. O homenzinho pegou os três peixes que havia pescado, mais o peixinho que Susane pescou, juntou as tralhas e chamou-a para ir para casa. No meio do caminho, pegou umas folhinhas verdes que estavam na nascente do lago. –É agrião, disse ele.

Posso perguntar o seu nome? Disse Susane, nem esperando resposta. O homenzinho era de poucas palavras.

- Sirius, respondeu. E foi a única coisa que ela ouviu até chegarem em casa.

- Bem, minha hóspede... Hoje teremos arroz, salada de agrião e peixe. Você prepara o arroz e a salada e eu preparo os peixes, disse Sirius.

Prepararam o jantar e comeram em silêncio, cada um com seus pensamentos. Antes de cada um ir para o seu quarto, Susane disse num sorriso: - Sirius... Obrigada por ter me ensinado a pescar.

No dia seguinte, muito cedo, nem começava clarear e Susane ouviu algo abafado batendo em alguma coisa. O barulho vinha da cozinha. Desceu as escadas sem fazer barulho e foi espiar. Encontrou Sirius fazendo pão, compenetrado, como se estivesse fazendo a coisa mais importante do mundo. Parecia que tinha prazer em amassar o pão. Sirius percebeu sua presença, partiu a massa em duas partes e a ofereceu para Susane.

Susane lavou as mãos e imitou Sirius na arte de amassar o pão. Enrolaram os pães, deixaram crescer e sentaram-se à mesa esperando assar o pão. Sirius fez café e ferveu o leite e o cheirinho de pão assado se espalhou pela casa toda...

Após o café, Sirius foi cortar a grama do jardim e disse a Susane que passeasse e aproveitasse as férias. Susane foi andando até o vilarejo que ficava próximo e de vez em quando, chutava uma pedrinha no caminho, dava pulinhos, abria os braços e girava respirando o cheiro de mato verde... No vilarejo, comeu um doce de leite caseiro e num barzinho de esquina encontrou sorvete de ameixa. Voltou para casa feliz, como quem volta para o lar... Sensação estranha para essas férias tão diferentes...

A semana passou muito rápido. Ela e Sirius ficavam na maior parte em silêncio e nem um pouco constrangidos por não conversarem tanto, em plena camaradagem...

Dia de partir... Susane foi até o vilarejo e comprou um sino dos ventos e o presenteou a Sirius. Antes de ir embora, deu um abraço apertado em Sirius e perguntou:- Porque me deixou ficar?

- Quando voltei para cá, estava sentindo falta de ficar comigo e conversar com meu silêncio. Quando você desatou a chorar tão sentida, percebi que você precisava fazer as pazes com o seu silêncio mais que eu. Por isso abri mão do meu silêncio, para escutar o seu silêncio...

Susane olhou o homenzinho Sirius com olhos sorridentes e agradeceu. Dessa vez, com uma voz que parecia uma canção.