A Carta
Na velha estrada, marcada por gritos e pegadas de sangue, a roda da carroça vai avançando. Na carroça carrancuda cercada de espinhos, um homem segue com uma missão: entregar a carta. Depois de algumas horas de viajem, a carta assombrosa, repleta de dor e agonia, chega ao seu destino, trazendo perguntas emergidas de um passado tenebroso.
A roda pára em frente a uma casa grande, genial e gélida, possuidora de um mistério frio que fervilham os miolos e movimenta o cérebro estático de quem a observa. O cocheiro, depois de muito bater, já ia desistindo, quando de repente um homem aparece, longa barba, vestimenta desfolhada, seca e triste. Ao entregar a dita carta, o cocheiro se despede rapidamente, deixando o homem velho encharcado de vento, vento do que se parece ser nada.
Ao abrir aquela carta, o velho homem percebe que esta nada continha. Um papel branco em branco, sem palavras, sem linhas, sem nada. Não havia mais absolutamente nada que o fizesse vivo. Aquele papel branco, angustiado, de perguntas da cor de espíritos, transgrediu as mãos, entrou pelos ouvidos e narinas, criando uma sinestésica sensação de vazio.
O velho homem se percebe só, sente-se como um pedaço de vento fétido vagando pelo universo particular do nada, em que não há astros e nem luz, só vento com odor de solidão.
Enquanto isso, o cocheiro livre, recebe o seu pagamento pela entrega da carta, e segue cantarolando, rodando naquela velha estrada, por cima das marcas de sangue. Lembrança de um passado fétido e o cheiro de um futuro ainda a construir.