O Homem e o Mar

Todas as noites Ele saia de casa, um barraco de madeira, tão velho quanto Ele.

Dois cômodos pequenos, piso de argila misturada com cinza de lenha, o que dava um aspecto surrealista.

Em um cômodo, uma rede pendurada, e no canto... Um caixote de laranja, pego na feira, colocado em cima de um tronco de mangueira, servia para guardar a camisa branca, calça preta de brim e o par de sapato e meias preta, que à muito não usava.

Sempre de sandalias havaiana, bermuda e uma camisa do flamengo, seu time de coração.

Existia uma história, não sei contada por quem, que dizia já ter Ele feito teste no time rubro negro, e que não ficou por terem descoberto uma lesão no joelho esquerdo, fruto da queda dentro de um poço já seco quando ainda era menino, e isso é verdadeiro!

Disseram que ficou lá, dentro do poço dois dias, até ser tirado. De lembrança, ficou o certo medo de escuro e o problema na perna, que não o atrapalhava, mas o fazia mancar levemente. Mesmo assim jogava bola, e jogava muito, era o que diziam, e também puxava uma rede como ninguém.

No outro cômodo ficava um fogareiro feito de lajotas com uma tampa de ferro de duas bocas, uma beleza.

Em mais dois caixotes de laranjas, um em cima do outro, guardava duas panelas, um canecão de alumínio, e três latas, uma de colocar arroz, outra de açúcar e outra de farinha, (o pó de café ficava no pacote mesmo).

As necessidades fazia no mato ou no mar.

Assim levava a vida, sozinho, sem ser de muito conversar, e então, já velho, falava menos ainda.

Mas, apesar de velho, ainda saia pra pescar no velho barco, sempre sozinho.

Outra história, dizia já ter sido casado, e que tinha uma filha linda, diziam que a sua mulher o abandonou pra ficar com um jogador do outro time, diziam que foi nessa época que abandonou o futebol. Largou tudo e foi-se embora, desiludido pelo abandono da mulher e a saída do time de coração.

Quando chegou à vila querendo ser pescador, ainda jogava muita bola, mas já era um homem desgastado pelo tempo, mas... Foi o futebol que jogava, que o fez bem vindo.

O tempo foi passando, e ele cada dia mais caladão, fechado em si, todos o conheciam, ninguém sabia quem Ele era.

Logo aprendeu o oficio de pescador, e saia sempre com o Seu Jorge, caladão como Ele, logo se tornaram amigos, seu Jorge não tinha mais forças pra remar, e enquanto Ele remava, ia aprendendo o oficio, as manhas de seu Jorge, o melhor pescador da vila.

Seu Jorge o levou pra morar no barraco e sempre dizia.

- Quando eu for dessa pra outra, quando for encontrar com o pai Abraão na terra santa (seu Jorge era um judeu rico, veio pra vila sem nada, se esconder do nazismo) tudo que é meu fica pro meu amigo aqui.

- Meu barco, meu barraco... Tudo é seu, que eu não vou levar nada mesmo.

E dava Sua risada, solta livre, descansada.

Seu Jorge sempre dizia que queria morrer no mar, mas isso é outra história...

Essa... Dizem... Aconteceu assim.

A história Dele foi contada por Seu Jorge, pra dona Pepa, que diziam, Serem amantes, que contou pra seu filho João que contou pra namorada Lena, que contou...

Naquela noite fria de inverno, chuva fininha daquelas que molha suavemente como o carinho da mulher amada e parece que nunca vai parar; Ele saiu pro mar, remou, remou e remou... Perdeu-se na imensidão da noite... E não mais voltou.

Disseram depois, que um dia antes, alguém lhe entregara uma carta, letra bonita, letra de mulher, mas quem entregou não apareceu pra confirmar.

De verdade mesmo, e isso eu vi com esses olhos que a terra à de comer, foi que uma semana depois daquela noite fria, de chuva fina, quando Ele partiu, apareceu na vila uma mulher, clara de olhos verdes. Loura de fechar o comércio e parar o transito, num carrão bonito e novo. Os olhos dela lembravam os olhos Dele, digo isso e afirmo, porque vi, e foi a mim que ela chamou e perguntou.

E eu mesmo a levei no barraco Dele... Ela entrou... Eu fiquei esperando... Ela demorou uns vinte minutos lá dentro, depois saiu com os olhos verdes vermelhos, e caminhou em direção ao mar, parou... Se abaixou... Eu olhando ela olhar o mar, traçando risco na areia como Ele fazia.

Depois se levantou, caminhou até onde eu á estava esperando, me deu uma nota das grandes, passou a mão nos meus cabelos, sorriu, disse obrigado com uma voz que parecia cantar de passarinho, andou até o carro, entrou e partiu. E nunca mais voltou aqui na vila.

Antonio Candido Nascimento
Enviado por Antonio Candido Nascimento em 19/01/2010
Reeditado em 26/02/2014
Código do texto: T2038575
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