LOBISOMEM, VAMPIRO? baseado em fatos reais

Um cacarejar e latidos espalharam-se...

Despertou com rápido piscar de olhos...

Estranhou a terra que o cercava naquele buraco onde jazia insepulto sem caixão...

Beliscou-se, antes de voltar à vida...

Ergueu-se e espiou cautelosamente para os lados cuidando não fosse visto pelo dia que, garoento, acordava...

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Ely era admirado por alguns e criticado por outros.

Formado em Química era professor de Ciências, num tempo distante em que eram respeitados e ganhavam muito bem...

Raro morador da Vila com curso universitário. Seu conhecimento e saber, entretanto, causavam problemas...

Corria pelo bairro fortes boatos que Ely tinha um laboratório secreto no porão de sua casa e fazia experimentos à noite.

Ele se transformaria nessas coisas de assombração e mistério...

Ninguém conhecia o porão, cujo acesso seria sob o tapete da sala do sobradinho de meio lote onde morava com a Scarlet (Lety) e duas filhas pequeninas.

Nunca recebiam visitas.

Não eram arredios.

Eram olhados diferentes pela vizinhança...

Como explicar, naqueles tempos em que o Conde Drácula fazia sucesso no cinema e era costume pendurar figas na porta da casa, não possuírem um crucifixo na sala, não freqüentarem a missa e ainda, dizem, tivessem um gato preto?

Quer saber mais? Lety era a reencarnação da bruxa ruiva disfarçada... Olhos constantemente arroxeados e os cabelos tingidos de negro...

Outras mulheres diziam que ela não aparecia mesmo era pela vergonha das surras que levava do bom homem quando não bebia.

As duas crianças? Coitadas...

Muitas mães não permitiam seus filhos brincassem com elas.

Loirinhas lindas filhas de pais de cabelos escuros?

Só podia ser obra do capeta...

O mundo andava assustado com os extraterrestres de Roswell, as Guerras do Mundo de Wells e as atrocidades de guerra de Mengelle.

Uns afirmavam que Lety era judia, outros cigana, com aquelas roupas coloridas.

Disfarce, contra-argumentavam... Seria romena... E nunca ninguém vira um espelho na casa deles...

Mulheres sem espelho?...

Hum... Só podia ser vampira...

Apesar dessas versões o Ely era querido pela meninada.

Às vezes, quando voltava da jornada na escola, despia-se da cátedra e arriscava-se no futebol na rua de terra, demonstrando habilidade com a bola...

Depois do jogo, algumas vezes, sentava-se na calçada e instigava curiosidades falando de naves espaciais, abduções, mistérios de reações químicas, efeitos da bomba atômica, teorias genéticas de Mendell e outras coisas terríveis e inexplicáveis como catalepsia, catatonia, saponificação de cadáveres...

Incomodava a ignorância local...

Apesar de ensinar na rua, havia pais que não queriam que seus filhos tivessem aula com ele na escola.

Podia causar más influências, disseram que o padre disse...

Falava coisas que deviam ter parte com o Demo...

Num final de semana desapareceram alguns produtos químicos do laboratório da escola, sem arrombamento.

Línguas incendiaram que Ely roubara para experiências em seu laboratório secreto.

Foi afastado para investigarem a denúncia e, chateado, começou a se consolar no balcão do bar do Miro.

Vencia o tempo, entre um rabo de galo e uma pura, desfiando suas histórias misteriosas para si mesmo, para a meninada atenta ou um e outro que passava para tomar uma dose e seguir a vida.

Ely seguia bebendo o dia inteiro até o bar fechar...

Aí, cambaleante descia a rua de terra, procurando sua casa...

Vizinhos, juram, ouviam gritos aterrorizados de sua companheira, choro de crianças e uivos...

Claro!

Eram seus experimentos e transformação no Lobisomem...

Muitos o viram saindo, sorrateiramente, em noites de Lua Cheia...

Numa dessas noites, inclusive, sumiram galinhas do quintal de uma chácara do bairro.

As suspeitas aumentaram quando numa noite de todos os Santos, debaixo de muita chuva, a Lety saiu com as meninas, pegou um bonde que passava perto do cemitério e só voltou na noite do dia seguinte.

Decerto foi praticar uma iniciação maligna.

Ainda mais que carregava um garrafão cheio de líquido vermelho...

O rótulo de vinho vagabundo era só para enganar... Investigaram na vendinha e no mercadinho e ela não comprara nada naqueles dias...

Sangue de animais, asseguravam...

Outro galinheiro tinha sido misteriosamente invadido na mesma noite...

Desapareceu até o galo...

Alguns disseram ouvir o alvoroço dos cacarejares, mas qual de ter coragem e enfrentar o Cão...

Ainda mais, à véspera do Dia dos Mortos...

Por via das dúvidas, o dono do galinheiro cobriu a terra de sal grosso e fez um espantalho com colar de alho e espelhos...

De dia, o reflexo incomodava a visão...

À noite, gerava sombras misteriosas...

Deve também ter deixado com mau hálito os pássaros que devoraram as réstias...

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Tudo parecia tranqüilo. Quase nenhum movimento pela rua... Com alguma dificuldade saiu do buraco aberto pelo Departamento de Águas para colocação da canalização de esgoto onde caíra e passara a noite, para aflição de Lety, que o procurou por toda madrugada, vagando pelo bairro e assustando aos moradores onde se atreveu bater à porta...

Encontrou Ely sentado no degrau do bar esperando que o Miro abrisse, para tomar a primeira dose do dia...

Carinhosamente ajudou-o a tirar a terra úmida das calças...

Levantou-o e seguiram de braços dados, cada um segurando a mão de uma das filhas rumo a casa, pensando na vida danada que levavam...

Na tarde desse dia viram um carro funerário estacionado na rua...

Ninguém viu corpo ser colocado no caixão...

Lety foi vista uns dias, mas desapareceu e as crianças sem deixar rastros...

O povo diz que numa madrugada mudou-se fugida por não ter como pagar o aluguel...

Soube-se que o Ely tinha sido demitido pelo furto dos produtos, que descobriram tempos depois fora brincadeira de alunos...

Boatos e fantasmas presentes.

Ninguém viu, mas juram que o proprietário mandou fechar, sem vestígios, o porão e deu todos os equipamentos do laboratório de química do Ely para uma entidade beneficente espírita...

Um padre foi chamado para benzer a casa...

Um sensitivo foi chamado para exorcizar a casa...

Um médium fez um descarrego na casa que ficou vazia muito tempo...

Uma época foi invadida por um casal de andarilhos com duas crianças e diversos gatos...

Finalmente foi demolida e ainda hoje é um terreno murado onde às vezes aparecem despachos com galinhas e pinga e nenhum garoto invade para jogar futebol...

Correm boatos...

Pedro Galuchi
Enviado por Pedro Galuchi em 08/11/2009
Reeditado em 08/11/2009
Código do texto: T1911660
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