Ela

Praia de águas claras e límpidas. Parece milagre, mas é verdade. Dois tipos aparentando não fazerem mal a ninguém, tomam cerveja na sombra da eficiente barraca.

- E você está triste com a perda?

- Triste não. Não haveria como ficar com aquele anjo.

- Anjo? Não anda lendo Nelson Rodrigues demais?

- É um anjo. De cara. A alma é de prostituta.

- Apaixona-se por prostitutas agora?

- Não é questão de agora. A paixão não tem tempo.

- Sei. E a traição também.

- Acompanha todos nós.

- Todos nós uma ova! Traição comigo é pancada e separação.

- Sempre pensei assim, até que veio esta.

- Vele a pena?

- “Tudo vale a pena, se a alma não é pequena” – respondeu com frase do poeta português.

- Esse cara era doido!

- Acaso você não é também? Não somos todos nós? Fernando Pessoa nunca se disse são. Mas suas verdades são sublimes...

- Mas você está apaixonado pela bela Maria Eduarda. Não faz sentido. Ela casou com outro, foi-se embora.

- Embora? Não. Isto é coisa passageira, mais cedo, mais tarde, ela está de volta.

- Como tem tanta certeza?

- Fácil. Outra terra, outra gente, costumes diversos. Ela é daqui, e daqui não vai sair.

- Presunção sua! Já saiu...

- Mas volta. Cedo ou tarde ela volta.

- Como pode ter certeza disso?

- Conheço sua alma...

- Conhece como, se não é vidente ou coisa que o valha?

- Ela volta.

- Pode ter uma desagradável ilusão, meu caro!

- Engano seu. Seguiu porque não tinha alternativa.

- Casada?

- Casada. Está iludida, é muito nova. Quando abrir os olhos, vai ver a tolice que fez.

- Tolice? Vai com essa, amigo! Tolice por qual motivo?

- Simples. É e sempre foi muito livre. Quando sentir que a liberdade está restringida, abandona tudo e volta.

- Volta para os seus braços?

- Claro que não. Volta para as areias brancas, muito brancas, que fazem doer os olhos quando refletem a luz do Sol. Para o mar e a terra que ama e sempre amou.

- Você está excluído?

- Excluídos somos todos nós.

- E ela?

- Ela é um grande mistério, como são todas as mulheres.

Acabava de sumir o Sol. Com a chegada da noite, o mistério aumentaria, mas a conversa terminou.

Ninguém sabe como isto tudo vai acabar. Nem eu, nem ela, nem você...

Jorge Cortás Sader Filho
Enviado por Jorge Cortás Sader Filho em 14/11/2008
Reeditado em 14/11/2008
Código do texto: T1282827
Copyright © 2008. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.