Descasado Procura

Descasado Procura

- Um pregador de roupa.

- ? – o instrutor arqueou as sobrancelhas– é isso?

- Errrr...sim, um pregador de roupa – confirmou o sujeito franzino que, dizem, (porque todo mundo fala mal de todo mundo por aqui), que quando ele toma umas e outras dança que nem um Saci.

– Acontece – prosseguiu ele – que eu descobri que o pregador...

- Não precisa dizer mais nada – atalhou o instrutor – todos nós sabemos que o pregador tem 1001 utilidades, todos nós sabemos, não é mesmo?

Em uníssono, todos disseram: sim!

O nome do instrutor era Jonhy, pelo menos assim estava escrito no cartazete lá fora, embora quando interpelado ele dizia este não ser o seu nome. Cada um com seus problemas, pensei, levantando a mão para tirar uma dúvida.

O sujeito franzino, no entanto, insistia em descrever o pregador, de plástico, da cor vermelha, sendo o único pregador da casa, e que estava fazendo uma falta tremenda.

Jonhy tinha porte marcial, falava quase aos brados, e toda sua atenção estava na aflição do franzino.

- É isso que elas pretendem, vocês não percebem? Transformá-los em inaptos!

- Como se soletra inapto? – indagou-me em sussurros o tipo a meu lado, que mais parecia um álbum de figurinhas ambulante, tantas eram suas tatuagens, verdadeiro festival de cruzes e punhais com inscrições coloridas. Disse-lhe que era parecido com adepto. Ele agradeceu, ergueu a mão e exclamou à meia voz: Vandson!

Nisso, quase todo mundo levanta a mão ao mesmo tempo e Jonhy impôs a ordem no recinto, alto e bom som, esclarecendo que, como já deveriam saber, perguntas só eram respondidas no fim da aula.

Então aquilo era uma aula, pensei.

Nunca mais pergunto nada para a dona da lan house. Passei lá hoje de manhã, ritualisticamente, indagando-lhe sobre quem, pelas redondezas, se incumbe do heróico labor de fazer barras em calças. Ela me mandou procurar o clube do Jonhy.

Agora que Jonhy silenciou a turba, deixando claro que quem fazia as perguntas ali era ele, ele, por fim, indaga:

- Quais foram os dois grandes tópicos demonstrados na última aula?

Digamos, 70% da classe ergueu o braço. Jonhy correu os olhos para selecionar um candidato. Novamente o franzino. Como ele parecia saber de tudo, e aparentemente estava sóbrio, o instrutor disse-lhe para responder só um dos tópicos, deixando assim que outro também pudesse expor sua sabedoria. O franzino, na minha opinião propositadamente, realizou um hiato de suspense antes de falar:

- Que devemos lavar os alimentos antes de comê-los!! – exclamou ele.

Todos aplaudiram. O sujeito a meu lado diz: Vandson!

O instrutor não lhe deu ouvidos e optou pelo rapaz mal barbeado, que tinha a segunda questão na ponta da língua e queria dividi-la com todos.

- O sr. disse, na última aula, o sr. disse – ele repetia esfregando uma mão na outra – sobre, sobre o sache de miojo e que...

Compadecido pela dificuldade do rapaz, Jonhy tomou a palavra, não sem antes pedir uma salva de palmas. Nova ovação.

- O sache do miojo, que o nosso amigo tão bem lembrou, não é para ser usado de uma vez só. Pode-se guardá-lo em porções e desfrutá-lo...vamos lá, quem se lembra...

- No arroz! – exclamou uma voz lá no fundo.

Outra ovação teria tido inicio não fosse o instrutor, ciente da responsabilidade do seu cargo, que o obrigava a aquietar os presentes, lembrando-os do complemento correto da resposta.

- Sim, no arroz! Mas o mesmo tem de estar, Des-Con-Ge...

- Lado! – brandiram os alunos, com entusiasmo.

Todos se congratularam. Pelo visto não era ali que minhas calças iam conseguir uma barra.

- Srs., como prometi, hoje será o dia de declamação de poesias instrutivas. Temos dois membros poetas, que, por favor...

A sessão teve início sem mais delongas, até porque os poetas estavam loucos para subir no palco, um de camisa xadrez e o segundo de camiseta regata.

O poeta 1, cujas cores vermelho, branco e verde, estufavam junto com seu tórax, declamou:

Existem chuchus que são

mais duros que o Monte Sião

Legume Inofensivo e frugal

Se acertar na cabeça é letal

Ó chuchu dos invernos

Por que tu não cozinhas logo?

Criatura de sabor raro e fugaz

Não percebes que tua resistência

Aumentará a conta de gás?

Saibam, foi um alvoroço. Uivos e estalar de palmas refulgiam por todo o recinto.

O Poeta 2, cujo físico não condizia com a indumentária, solicitou um instante de silêncio antes de contemplar a platéia com sua voz aveludada:

No meu apê tem sucrilhos

Mais raros que os de lá

Os sucrilhos que aqui fervemos

Não fervem como lá

Nunca pensei que sucrilhos pudessem ser servidos assim.

O tatuado finalmente conseguiu captar a atenção do instrutor, chamando-o pela terceira vez: Vandson!

- Ôrra, o que é Wagner? – cochichou- Já não me basta ter que aturar a tua irmã?

- Há...Então conta isso pra ela. Vim aqui aliviar o teu lado, mais uma vez. Ela falou que se você não estiver em casa em 10 minutos, vais dormir na calçada.

O porte marcial do instrutor parecia não se abalar. Na sala um alvoroço, alguns pediam cópia das poesias aos poetas. Jonhy, na verdade Vandson, avisou aos subalternos sobre a necessidade de se manterem unidos, que a próxima aula seria sobre sabão em pó e amaciantes, e chamou todos para entoarem, de mãos dadas, a declaração de alforria:

“Sem elas o que é que nós somos, mesmo?”

Ninguém conseguia se lembrar.

Na saída li com calma o cartazete: “Todas as segundas, das 7 às 10 da noite, Pergunte para o Descasado. Tudo o que você sempre quis saber sobre uma vida singular e austera. Ingressante ganha o kit “O costureiro infalível”). Voltei para pegar o meu.

Bernard Gontier
Enviado por Bernard Gontier em 19/07/2008
Reeditado em 12/10/2013
Código do texto: T1088065
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2008. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.