Quando chegaram ao Del Rey pediram para fechar a conta e servissem no quarto três sanduíches, sendo um embalado, destinava à mãe, que continuava no salão de beleza. O recepcionista comentou, porque vão deixar o hotel a esta hora da noite, há alguma reclamação que desejam fazer? Explicaram os motivos, considerados razoáveis.
Após o banho, fecharam as malas, vestiram as roupas mais vistosas, desceram, o táxi já havia chegado, partiram para o salão. Em lá chegando, olharam para Elvelm, já parecia outra pessoa, tão esbelta, linda e radiante de contentamento. O primeiro impacto, além de surpreendente, fez lembrar o que suas mãe Elizabeth lhes proporcionara, conseguira em 19 anos refazer a auto-estima da mãe que os trouxe ao mundo. Os funcionários do salão, não pela gorjeta prometida, comentavam a beleza natural da novel freguesa e como conseguiram atingir o esplendor que possivelmente ela desfrutara na mocidade. Aquele filho, que entrara no salão proclamando aquilo tudo, tinha inteira razão: a mãe expandia um raio de luz que iluminava todo o ambiente, a lua naquela noite se ofuscara diante de tanta formosura.
Seguiram em direção ao Savoy Hotel, apesar da resistência de Evelim, que preferia se hospedar em outro, vencida pela decisão dos filhos. No balcão de recepção, o funcionário vendo Evelim toda maquiada, vestida ainda que modestamente mais diferente da forma comum quando chegava para trabalhar, exclamou: Oh! Evelim isso é hora de vir trabalhar e desse modo, toda pintada, parecendo que vai a uma festa? De imediato Artur reagiu, ela não veio para trabalhar e sim se hospedar. Aliás, ela não mais trabalhará, seguirá dentro de poucos dias para o Rio de Janeiro, onde passará a residir. Nós queremos são dois apartamentos, um muito bom destinado à mamãe e outro mais simples para nós dois. Ao preencherem as fichas, o recepcionista notou que o nome da mãe dos rapazes era Elizabeth Martins Miranda, não da então arrumadeira. Chamou os dois no extremo do balcão e lhes disse: Não posso deixá-la se hospedar aqui, como mãe dos senhores, porque não coincide com a filiação constante de suas carteiras de identidade, e ela se chama Evelim Ludimila Boeckel, aparecendo na ficha funcional ser solteira. Alem da revolta que sentiram, a impugnação detonara como uma “bomba” sobre a cabeça de cada um dos gêmeos. Tentaram explicar de forma persuasiva, sem detalhar os fatos passados, como não o convenceu pediram que chamassem o gerente, que naquela hora lá não se encontrava e sim o sub-gerente, Adolfo. Esse se mostrou intransigente, acrescentando: não acostumamos hospedar empregados ou como querem dizer ex-empregados. Pensaram ir a CASA e solicitar a interferência do padre Tomaz ou mesmo a freira Rufina, a hora desfavorecia, tornava-se imprópria. Artur tentou suborná-los, o que foi impedido por Pedro. A mãe, embora alheia à conversa se mostrava impaciente, chamou os dois filhos e sugeriu que fossem para outro hotel, o mais próximo era o Climax, onde estiveram quando recém-nascidos. Difícil foi conter Artur, desejoso de retrucar com agressões verbais. Esse foi o primeiro contratempo que tiveram durante toda a viagem, lembram ser decorrente de uma represália e demonstração que Evelim, sua mãe, tinha filhos, o que dispensava submeter-se a trabalho de simples arrumadeira. Juraram, não ficaria assim, no dia seguinte lá estariam com o padre Tomaz e a freira Rufina na rescisão do contrato de trabalho da mãe.
Não deram maiores detalhes ao motorista Renato, apenas disseram que o hotel estava completamente lotado. No Climax não houve dificuldades, Pedro justificou que a bagagem da mãe chegaria no dia seguinte, às 14 horas.
Voltaram a telefonar para as namoradas, dando o novo endereço, sem descer a detalhes, que estavam prontos para irem jantar no bairro de Santa Felicidade, ligariam para o pai no dia seguinte.
A iluminação feérica do lugar não dava para distinguir qual a melhor cantina, e Renato, por desconhecer Santa Felicidade, estava impossibilitado de indicar, preferiu recorrer a um colega de praça, fundamentando tratar-se de uma comemoração especial, o que resultou se dirigirem a uma taberna onde reinava ambiente de festa com boa música. Os jovens convidaram o motorista Renato para participar do jantar, no que foi aceito.
Evelim Ludmila jamais estivera em um restaurante e muito menos num ambiente como aquele, e agora se encontra em companhia dos dois filhos. Ela estava fascinada, sorria a todo momento, acariciava cada um dos filhos, acompanhava as músicas e os casais que dançavam, o aroma deslumbrante envolvia seu pensamento, seria tudo verdade ou estaria sonhando. Logo ao sentarem à mesa os filhos lhe perguntaram o que desejava beber, não sabia responder, poucas vezes tomara cerveja na casa dos pais. Olhou em torno das mesas e notou que a maioria dos freqüentadores escolhera vinho, seria bom e ela suportaria sem tontear, achou que muitos estavam excessivamente alegres. Preferiu deixar ao critério de Pedro e Artur, que escolheram vinho em razão da variedade de comida servida. Artur a tirou para dançar, envergonhara-se, será que conseguiria dar aqueles passos dados por todos os presentes. Conseguira, animou-se, deixou Artur e foi dançar com Pedro, sempre mais retraído e comedido. Imaginou se Helem soubesse não acreditaria, a descrença também era sua. Aproximou-se da mesa linda moça, vestida a caráter e entregou-lhe uma linda rosa vermelha, cor de sangue, o sangue que corria em suas veias e dera aos filhos quando nasceram. Estava seduzida, acontecera inesperadamente, orgulhava-se da companhia dos gêmeos, achou que lhe competia fazer alguma coisa que fosse do agrado dos dois. Chamou a rapariga das flores e pediu “podes” me dar dois botões de rosas brancas, entregou uma a cada filho, guardem para sempre para “lembrares” desses instantes inesquecíveis, acrescentou, é uma prova de amor que sempre tive por “tuas” pessoas, cada pingos que caiam das flores representarão as gotas de sangue do meu coração.
As pessoas presentes não paravam de admirar aquela linda moça, carinhosamente com os dois rapazes, sem imaginarem que ali estavam mãe e filhos, num idílio singular e fraterno, perdidos por dezenove anos, pela falta de convivência.
Não exagerara, sorvera o vinho com todo cuidado, gostara, mas reservou-se bebendo apenas uma taça e meia.
Passava de três horas da madrugada, dava mostras de cansaço, as pálpebras já não estavam tão despertas, Pedro observou e convidou o irmão para se retirarem, até Renato pegara no sono. Artur falou amanhã voltaremos à noite aqui ou em outra taberna. Chegaram ao Clímax tranqüilamente, Pedro providenciara sem que a mãe soubesse uma linda camisola, manequim 48, segundo D.Eulália, colocada sobre sua cama, juntamente com um “buquê” de rosas brancas, entre elas duas na cor vermelha, simbolizando os dois. Despediram, agradeceram a Renato, pagaram regiamente e comentaram pena é que amanhã não teremos a sua companhia. Artur disse aos dois: “não precisam acordar cedo, estamos cansados e D. Eulália só chegará no ônibus de uma hora da tarde; mamãe quer que recomende servir o café da manhã no seu quarto, a que horas? Evelim respondeu: Não, vou aguardar que “acordes” e desceremos à sala de lanche.
Por mais que Artur aconselhasse, às 9,30 h. todos estavam de pé, desceram para o salão de lanche, a mãe Evelim nem parecia que fora dormir às 4,00 horas da manhã, contente, risonha, cheia de felicidade. Evelim antes agradeceu a gentileza do filho pela compra da camisola, além de belíssima, ficara certinha no seu corpo.
Combinaram fazer uma visita a CASA, encontrar Freira Rufina, desconhecida de Evelim, dali seguiriam para o Savoy Hotel, rescindir o contrato de trabalho dela e possivelmente estarem com o gerente geral, Sr.Arnaldo, acompanhado pela freira e o padre Tomaz, quando abordariam o incidente da véspera. Pedro mais moderado relatou o desagradável acontecimento e a Freira se propôs ir sozinha com Evelim, sem a presença dos rapazes, evitando aumentar o fato, porém o Padre Tomaz mostrou desejo de acompanhar as duas.
Os filhos souberam que a mãe não tinha carteira de identidade, para viajar de avião não havia necessidade, a carteira profissional supria, sem trazer maiores problemas. Pedro e Artur acharam por bem tentar retirar mesmo em Curitiba a C.I., talvez no Rio houvesse maior dificuldade, assim fizeram por intermédio de um despachante.
Evelim voltou do antigo emprego irradiando sentimento de pura sensibilidade, tocada de outra maior emoção, anti tantas que já tivera. Seu Arnaldo a cumprimentou efusivamente, reuniu os funcionários na sua sala e enalteceu a figura de Evelim, que nunca demonstrara frustração e vicissitudes por não ter os filhos em sua companhia e era cumpridora assídua de seus afazeres, estimada pelos auxiliares e os hospedes. Fora, por conseqüência uma vitória da CASA, altamente reconhecida perante a sociedade curitibana.
Logo cedo, às 9,40 horas as namoradas dos rapazes telefonaram do Rio, desejosas de saberem como fora a festa, se a mamãe gostara e quando chegaram ao hotel. Vamos sair nesse momento para comprar alguns presentes que daremos a D. Evelim, ao desembarcarem no aeroporto. Perguntaram vocês têm certeza que o manequim dela é 48, os namorados responderam que sim. Ela é um pouco mais baixa do que nós dois. O corpo é esbelto, guarda proporcionalidade à altura, que deve chegar a um metro e oitenta. Mas não se preocupem, compraremos aqui em Curitiba todas as roupas necessárias.


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O ENXOVAL INDISPENSÁVEL.
Os três seguiram para a rodoviária, a fim de aguardar a chegada da amiga D. Eulália, que viria de Castro com o propósito de auxiliar nas compras de roupas para Evelim, que se mostrava radiante, sem fazer nenhum comentário e objeção.
A modista daquela cidade ficou admirada da transformação que sofrera Evelim em tão poucas horas, o sorriso nos lábios, cabelos cortados modernamente e a maquiagem ainda da véspera, eram causadores das maiores atenções. Abraçou a amiga e seus filhos, felicitou-os pelas transfigurações, foi desde logo dizendo, a moda daqui é diferente do Rio de Janeiro, temos de conseguir um meio termo, que as cariocas não lhe observem com menosprezo. Era outra mulher! Pedro e Artur acharam que seria desnecessária a presença deles, não entendiam de moda, por isso mesmo evitariam opinar, no que a mãe discordou e exigiu a ida dos dois.
Existem quatro lojas mais capacitadas, com estoques de roupas femininas mais atualizados, todas ficam no centro da cidade, indicativo que exigia irem de táxi. D. Eulália alertou, preocupada nas dificuldades que poderiam advir, trabalhei a noite inteira costurando outro vestido para você, Evelim, acho que gostará, esta talvez seja a minha última colaboração para seu sucesso no Rio de Janeiro.
Escolheram oito modelos, sendo três simples de uso cotidiano, cinco outros mais elegantes, quatro saias chiquíssimas e seis blusas que combinavam com as saias. As roupas íntimas preferiram uma loja especializada, os filhos não se envolveram e preferiram aguardar no lado de fora. Em ambas as lojas deram um prazo de entrega máxima de 48 horas no hotel em que estavam hospedados. Seguiram em direção a uma loja de malas, compraram a que desse todas as compras e uma frasqueira, que Evelim achou desnecessária, acabou aceitando, depois da explicação de sua utilidade, Na sapataria adquiriram outros sapatos compatíveis com as roupas e umas sandálias, justificaram que no Rio era comum às senhoras usá-las.
Voltou a admoestar os filhos pelo exagero nos gastos, inadmissível que eles em poucas horas despendessem dezesseis mil reais na compra de roupas para ela, independente das outras despesas, tal não poderia voltar a ocorrer. Pedro e Artur explicaram estava conforme planejaram, dentro do nosso orçamento, nada poderia faltar-lhe para senti-la feliz, formosa e recompensada, em parte, pelos sofrimentos passados.
Artur achou melhor deixar para o dia seguinte a compra das passagens de avião para o Rio de Janeiro.
Naquela noite não voltariam à Santa Felicidade, preferiam levá-la a Confeitaria Iguassú, ambiente requintado, diverso do que a mãe tanto apreciara nas cantinas localizadas naquele bairro.
À tardinha chegou ao hotel à maioria das compras. Evelim, imediatamente foi para o apartamento e começou a desfazer os embrulhos, separando os vestidos, saias, blusas e as roupas íntimas. Quis chamar os filhos, preferiu, no entanto, examinar primeiro para ter melhores condições de comentar. Ficou estonteante, jamais vira beleza igual, nem nas revistas, que uma vez ou outra conseguia folheá-las, renovava o sonho passado anteriormente, podia apalpar todas as roupas porque as pertencia, uma maravilha que nunca pensou em tê-las, graças aos filhos cativantes e reconhecidos, nunca imaginados que algum dia poderia revê-los. Saiu do quarto em direção ao apartamento dos dois, descansavam, sem resguardar cortesia, os chamou, numa empolgação incontida para apreciarem os presentes dados por eles. Foram simples, sem retóricas, denotaram: se foi do gosto e agrado da senhora é nosso também. Evelim estava radiante de tanta felicidade, antes a presença amada dos filhos, agora acobertada de vestimentas, nem por devaneios pensados.
Disse aos dois, vou arrumá-las na mala e passar a chave, não posso deixar aqui expostas, lembro-me do tempo que trabalhava no hotel como arrumadeira e os hospedes assim faziam, preocupados com possíveis desaparecimentos de qualquer peça. Pedro, moderadamente, ponderou não é necessário, tenho confiança no Clímax, isso não acontecerá e, além do mais, amassará todas as peças, só partiremos dentro de dois dias, à tarde.
Evelim quis sentir a opinião dos dois ao dizer: à noite vou com o vestido que D. Eulália fez para mim e o sapato comprado naquela noite. Artur reagiu, nada disso, a senhora irá elegantemente vestida, com uma das roupas novas, bem como um sapato apropriado, além de não terem chegado algumas roupas, compraremos outras no Rio de Janeiro. Queremos vê-la linda, como na verdade é, e admirada por todas as pessoas presentes. Pedro completou, diferentemente de seu comportamento normal, os tempos agora são outros, o passado ficou para trás, vamos viver com alegria o presente.
Vestiu-se condignamente, perfumou-se com “vertige” de Coty, o aroma da moda e saiu nos braços dos filhos em direção à Confeitaria Iguassú. Logo ao entrar, na subida da escada, a admiração generalizou-se, todas as atenções voltaram para os três, os traços fisionômicos de Evelim haviam se modificados, resplandeciam os belos olhos azuis e a pele guardava o frescor de outrora, estava ainda mais bela que quando estivera em Santa Felicidade, remoçara em tão poucos dias. Manteve seu padrão de discrição, observando tudo, especialmente a conduta das pessoas.
Pedro trocou idéia com o irmão, o que deveriam escolher, que pudesse ser de maior agrado da mãe. Preferiram um prato de origem alemã, que pudesse recordar seus tempos de infância, “marreco com calda e molho de laranja e purê”, de entrada “leberwurst com repolho roxo”. Não foram felizes na escolha, dos olhos da jovem-dama começaram a verter lágrimas tristes, de relance voltou ao passado, lembrou-se dos pais, principalmente dele, ainda quando da mocidade, o expulsara de casa grávida, esperando gêmeos. O filme passou rápido dentro de sua cabeça, numa interrogação pungente, será que poderiam conjeturar que ela estivesse vivendo instantes felizes com os filhos, num ambiente sublime e grandioso?
Os lustres de cristal que iluminavam o ambiente não poderiam clarear mais aquele momento, Evelim deleitava a atmosfera reinante, o prazer moral da união com os filhos, superava em muito a alegria de todas as pessoas presentes.
Ela apreciara mais as tortas, inteligente, preferiu não escolher, esperou que Pedro e Artur o fizessem e saborear um pouco de cada um dos pratos. Deu certo, pois um deles repetiu e solicitou outra de qualidade diferente.
Ao chegarem no hotel, Evelim voltou a ver todas as roupas compradas, admirando-as e glorificando, não se cansava de olhar uma por uma, chegou a compará-las com as de D. Eulália, como eram diferentes, os cortes, as costuras e o acabamento. Logo ela, que tinha o privilégio de além da amizade, ter suas confecções feitas pela lisonjeada modista, a mais afamada do lugar.
A seleção não fora feita só por ela e D. Eulália, os filhos também orientaram na escolha, além de terem bom gosto, sabiam a moda predominante no Rio de Janeiro.

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PREPARANDO PARA DEIXAR CURITIBA

Após o café matinal, Pedro ponderou que a mãe ficasse no hotel enquanto ele ia à agência comprar as passagens de avião, escolher dia e horário, bem como os assentos que os conduziria ao Rio. Artur aguardava um telefonema para o pai de criação, desejoso que estava em solucionar o impasse criado com a ocupação da casa juntamente em companhia da portuguesa Manoela.
Adquirida as passagens seguiriam dentro de três dias, avisaria os parentes, amigos e as duas namoradas.
Paralelamente, Artur conseguiu comunicar-se com o pai, Salvador, falando tranqüilamente, sem se alterar, evitando estabelecer desde logo um conflito, até porque ele para todos os efeitos legais era seu pai e do irmão. Historiou que conseguiram descobrir a mãe ingênita, desejo que depois de certo tempo sempre tiveram, mormente com o falecimento da mãe de criação, Elizabeth. E, a estavam levando para residirem com eles, o que impedia a permanência dele em companhia da tal Manoela. Lembrou-lhe que a casa por testamento da mãe pertencia aos dois, até porque ele Salvador se casara em regime de separação de bens, exigência do avô Martins. Solicitou que alugasse uma outra casa ou fosse provisoriamente morar num hotel, uma vez que chegariam ao Rio dentro de três dias. Salvador não manifestou nenhuma reação, preferiu silenciar e concordar com o desejo do filho. Ratificou, hoje mesmo vou sair procurar uma casa e amanhã já não estarei mais aqui na rua Bambina, em Botafogo. Despediram-se cordialmente e o filho de criação informou-lhe que chegariam às 12,30 horas no Aeroporto do Galeão.
Ao regressar Pedro mostrou à mãe os bilhetes de passagens e lhe esclareceu que desceriam primeiro em São Paulo e 30 minutos depois seguiriam em outro avião para o Rio. Evelim quando viu o preço das passagens se assustou mais ainda, só estava acostumada a pagar o que era cobrado de Castro à Curitiba e vice-versa, nunca poderia imaginar que fossem tão caras. Voltou a reafirmar que poderiam ter ido de ônibus, como os dois a informaram que vieram. A mesma reprimenda de mãe, vocês estão gastando muito dinheiro, o que não é bom!
Ela tendo se afastado um pouco do lugar que estavam, Pedro aproveitou para falar ao irmão, vamos firmar um compromisso de honra, nunca falaremos sobre o nosso pai verdadeiro, não precisamos saber, por razões obvias, nem magoaremos mamãe com essa inoportuna pergunta; apertaram as mãos e se abraçaram.
Evelim pediu aos dois filhos, que gostaria de ir se despedir da irmã, Helen, dos sobrinhos, cunhado Chicão, enfim de todos da localidade e, se possível, dar uma passada na casa da amiga Dona Eulália. Aquiesceram na mesma hora e ficou marcada a despedida para o dia seguinte, porque à tarde iriam a CASA, agradecer ao Padre Tomaz, a outra irmã e principalmente a freira Rufina. Evelim perguntou a Pedro e Artur, se poderia levar a mala com as roupas para mostrar à irmã? Os gêmeos ficaram em dúvida, como transportariam até Castro uma mala enorme, cheia de roupas, se a própria mãe queria ir de ônibus e não de táxi. Talvez pudessem contornar a quase suplica da mãe, convidando a tia a vir com eles até Curitiba, o que seria irreflexão, ou alvitrarem ir de táxi.
Logo após o almoço, seguiram para o Centro de Adoção Social e Amor (CASA), sendo recebidos pela Freira Rufina, o Padre Tomaz e a Irmã auxiliar, que se mostraram receptivos, especialmente em razão da comunicação feita, partiriam dentro de três dias para o Rio de Janeiro em companhia da mãe, Evelim, onde passariam a residir. Relembraram alguns fatos mais amenos, refletivos dos elevados serviços sociais prestados pelo Centro de Adoção, que resultavam no amparo às crianças menos afortunadas. Citaram o caso deles e da própria mãe, simples mocinha de 17 anos, sem destinos certos asseguradores de um futuro promissor. Não fosse a CASA estariam sujeitos à inclemência do destino, abandonados nas sarjetas das ruas, num permanente desamparo. Comentaram que a mãe voltaria a estudar, inicialmente dentro de casa com eles próprios, até atingir um grau de maturidade e adiantamento escolar, depois cursaria uma escola preparatória para os dois acessos aos ciclos ginasiais e, ao final de oito meses, seria matriculada num instituto de inglês, idioma de grande serventia nos dias atuais. Aproveitaram o momento para fazer a entrega de 100 cobertores, sendo 60 destinados a recém-nascidos e 40 para senhoras. Deixaram o endereço no Rio de Janeiro para quaisquer eventualidades. Evelim chorou muito abraçada com a freira Rufina, ao agradecer pediu que prosseguisse nos trabalhos executados e rogassem a Deus por sua sorte na nova vida que começaria.
Artur e Pedro saíram destinados a comprar lembranças para tia Helem e os demais parentes que conviveram com a mãe durante aqueles longos 19 ano, sem que esta soubesse, evitando novas restrições. Para a tia compraram um porta-retratos, em que colocaria a fotografia dos três juntos, naquela noite, em Santa Felicidade; 4 metros de um tecido de lã, próprio para o inverno que se aproximava; e um liquidificador. Destinado ao Chicão um belíssimo cinto de “cowboy”. Reservado aos primos, filhos da tia Helem e Chicão, uma mochila para cada criança e 2 camisas, ao empregado Joãozinho uma calça de sarja, e finalmente para D. Eulália um lindo corte de tecido de 4 metros que ela pudesse fazer um vestido.
No dia de irem a Castro, Evelim já havia mudado de pensamento, não levaria a mala com as roupas, mas iriam de ônibus. Partiram quase de madrugada, carregando todas as tralhas compradas. Passadas duas horas e meia chegaram à estação rodoviária, tiveram sorte encontrando o motorista Renato, que os transportou a todos os lugares.
Quando Helem viu a irmã, comoveu-se num choro compulsivo, encantou-se com os presentes, colocando dentro do guarda-louça o liquidificador e sobre ele o porta-retrato, no lugar de maior “destaque” da sala.
Assentou-se no surrado sofá com Helem e começou a contar as antigas e novas novidades, num melancólico gesto de devaneio, primeiro o quanto dançara com os dois filhos na Cantina em Santa Felicidade, depois o conjunto fabuloso de roupas e sapatos que eles compraram, guardados numa mala tão grande que ficou impossível trazê-la para que ela visse. Helem se surpreendeu, manifestando, mas você Evinha não sabe dançar, como conseguiu? Fiquei observando primeiro, depois tanto Pedro como Artur me ensinaram, eles sabem tudo, são galantes e bailarinos, tornou-se fácil. Saímos de lá às três e meia da madrugada. Ontem jantamos na Confeitaria Iguassú, eles escolheram pratos da culinária alemã, o que me trouxe amargas recordações, passadas com as saborosas tortas servidas. Despedi-me à tarde da CASA, dos atuais dirigentes, o padre, a irmã e a freira Rufina que tanto auxiliou meus filhos a encontrar-me. Ia esquecendo, disse Evinha, fiz maquilagem e um rápido tratamento de pele, num salão chique de Curitiba e, está marcado, antes de viajar voltar ao salão, como eles querem, para ser preparada a altura de chegar ao Rio de Janeiro.
Helen aproveitou para pedir à irmã que sempre que pudesse endereçar-lhe uma carta, a resposta veio imediata escreverei ao menos uma vez por mês, mandarei a correspondência para casa de D. Eulália, peça ao Chicão para apanhá-la quando voltar de Curitiba.
O cunhado Chicão chegou de Curitiba em companhia dos dois filhos, que na passagem de volta os apanhava diariamente na escola e ficou empolgado com o presente que ganhou, nunca tivera um cinto daquele, foi logo dizendo usarei na melhor calça que disponho, vou usá-lo domingo quando for à missa.
Os sobrinhos ficaram alegres com as mochilas e camisas, principalmente porque nenhum colega tinha uma igual e a deles já estava muito gasta, porque fora a primeira e única maleta desde quando passaram a ir à escola, Joãozinho ficou agradecido pela calça, como o patrão só usaria quando fosse à missa no domingo.
Evelim se dirigiu pela última vez ao barracão em que morava e aproveitou para apanhar pequenas reminiscências do passado, as levaria como recordações, pedindo a Joãozinho que pegasse “Bela” no pasto porque queria se despedir da cabra que sempre ordenhou.
Joãozinho trouxe também amarrado e puxado por uma corda o bode destemido por todos, Lampião, que Evinha além de ter medo, dele não gostava, pois sempre que podia chifrava quem perto estivesse. Evelim lhe recomendou: -segura bem, não o largue, evitando que vá marcada para o Rio. Bela recebeu os últimos afagos de Evinha, parecia adivinhar que não os teria mais; dos seus meigos olhinhos desceram lagrimas consoladoras. Lampião observa toda aquela cena, incomum, e tentou aproximar-se, seria para despedida ou pensando que Bela estaria sendo maltratada. Evinha preferiu arriscar-se, traga-o até aqui Joãozinho, vou despedir-me dele também. Algo anormal acontecera, o animal aproximou-se, docilmente deitou sobre seus pés e permaneceu tranqüilo, sem nada fazer. Como em Bela, Evinha curvou-se sobre ele e correu sua mão no pelo macio, a primeira vez que tivera coragem para tanto. Dos olhos de Lampião surgiram às mesmas lagrimas marejadas por Bela. Evelim pensou: era a despedida que não esperava e nem desejava. Os animais têm um sentido mais apurado que o ser humano, conseguem predizer os acontecimentos infortúnios.
Segundo Helem, Joãozinho já noticiara por toda a vizinhança a partida de Evinha em companhia dos dois filhos que não os vira nunca e vieram-lhe buscá-la para viver em companhia deles, partiriam todos para o Rio de Janeiro. Em pouco tempo a pequena casa de madeira, a varanda e a frente estava cheia de amigos com seus filhos. Além das perguntas, nem sempre discretas, deram início à lamúria geral, difícil de ser contida. Evinha emocionou-se muito, deixaria uma longa existência para trás para começar nova vida; uma coisa tinha certeza, caminharia lado a lado com os seres que trouxera ao mundo.
O carro os esperava na subida inacessível e era hora de partirem, Renato entregara-se ao sono e assustara-se com aquela multidão descendo o morro, á frente os dois rapazes, a mãe e a tia. Se haviam chorado antes, naquele instante parecia um mar de lágrimas, Artur deu a ordem, ligue o motor Renato, senão não sairemos daqui. Todos acompanharam o automóvel durante largo espaço, alguns o empurrando. Partia Evinha, admirada e querida da localidade, bonita como nunca estivera.
Pedira aos filhos e deles conseguira que fossem à casa de D. Eulália, também ali se encontrava a maior parte dos vizinhos da rua que quando seus pais ali moravam e irmãos, há 19 anos atrás e, vez por outra, lá aparecia na residência da costureira. Todos ficaram extasiados com a formosura de Evinha, sofrera uma transformação repentina, não sabiam se decorria da presença dos filhos ou maquilagem que se submetera. D. Eulália não, já havia visto antes em Curitiba, quando lá estivera auxiliando na escolha das roupas e sapatos.
Aproveitou o momento para aconselhar a estimada amiga: dê o carinho que seus filhos merecem, absorva deles os modernos conhecimentos da vida ditados pelas grandes metrópoles, continue a ajudá-los a vencer como fizera a primeira mãe na infância, toda oportunidade que tenha reze por ela, bem merece e deve estar próxima a Deus. Minha filha Evinha parta com fé e certeza que tudo dará certo para vocês três, o melhor exemplo está no momento presente, quando os encontrou. Sei que não precisará mais de mim, das minhas simples costuras, não se esqueça, porém, que eu estarei aqui vigilante no seu progresso e desenvoltura. Vá com as bênçãos Divinas, você bem merece e esperou tanto tempo! Você honrou os dois filhos que teve, sua vida foi sempre pautada no caminho da correção, dignidade e procedimento, embora renegada pelos pais que não a dignificaram, Deus a reconheceu com a vinda de Pedro e Artur, a magnitude virtuosa de mulher.
Os abraços e beijos de todos foram repetidos até o carro partir.
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DE PARTIDA PARA O RIO DE JANEIRO

Na véspera de deixarem o hotel em Curitiba os dois irmãos encerraram a conta, pagaram as despesas e os excedentes quitariam na hora da saída, essas iniciativas evitariam atrasos. A mãe acordara antes dos filhos e aguardou que a chamassem para o café, estava tudo arrumado, fechara a mala no dia anterior, deixando de fora a roupa não poderia colocá-los na frasqueira e não era mais seu desejo abrir a mala, pensou, será que um dos dois colocaria em uma das suas maletas, tomaria o cuidado de embrulhar num saco de papel inviolável, deixou para solicitar quando do café.
Chamado o táxi, Evelim ficou impressionada com a gorjeta que Artur dera ao carregador do hotel, já que Pedro obsequiara a camareira regiamente, não pela sua solicitude, mas especialmente porque aquele fora o serviço prestado por sua mãe, que enalteceu seu procedimento, desta vez sem criticar.

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smello
Enviado por smello em 24/06/2008
Reeditado em 24/06/2008
Código do texto: T1049434
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