DOIS PRA LÁ, DOIS PRA CÁ...

"... numa paz insatisfeita, no tédio e na tolerância,

apenas o adultério prova a dedicação através do risco;

só a energia da traição faz o sangue bombear o peito,

como se fosse de alegria."

(Donald Hall, "The one day")

No canto da pista ele aguarda a mulher.

Seu olhar sem destino passeia no ambiente.

E descansa na moça solitária,

de olhar perdido.

Ele a tira para a dança,

Com a mão direita no seu antebraço esquerdo,

a conduz para pista.

A enlaça com o braço direito

e espalma a mão esquerda sobre as suas costas.

Alinhamento frontal,

peito com peito,

postura para evolução do par

pelos espaços vazios.

Roteiro de boa dança.

A suave pressão dos dedos,

nas costas dela,

impõe a direção e o ritmo.

Ao som triste e sensual do tango,

Desenham juntos figuras de salão.

Como não se lembrar de El Pacino?

O cego suicida a se guiar pela experiência?

Para reprimir a ousadia e buscar o equilíbrio,

puxa-a mais para si, juntam-se os corpos.

Ele lança a coxa direita a frente;

ela encaixa as pernas em torno dela.

Lançam as pélvis à frente,

movimentam-se os quadris,

Sensuais, aproximam-se mais,

a esfregar suaves toques de corpos.

Com a mão direita ele a conduz no giro,

Ela cola o rosto ao dele,

"Perfume de mulher", face com face,

a respirar um no ouvido do outro;

Linguagem dos corpos,

sentido da dança.

Magia dos sentidos.

As mãos, direita a dele, esquerda a dela,

apertam-se agora, ousadas e discretas,

e num diálogo mudo, indagam, uma à outra,

quantos lábios e línguas haveria naquele toque.

A música termina e ele a devolve à sua mesa,

aos amigos.

E busca a esposa que aguardava.

A beira do salão, ele a enlaça, ao som do bolero,

dois prá lá,

dois prá cá,

enebriado pelo encanto que restou,

e que transfere-se à ela,

sua esposa.

Com sinceridade e amor,

diz que é só dela.

. . . . . . . . . . . . . . . . . . .

"Putz!... coisa mais complicada descrever dança!"

Sajob - julho de 2015 + 2

Obrigado pela leitura.