Ontem e hoje

Ele a tinha amado. Amado talvez não fosse a melhor palavra, ele a tinha venerado por seguidos anos, a ela, figura que se erguia acima de qualquer expectativa. Estímulo maior para a sua vida, aquela mulher, muito mais do que a sua patroa, constituía para ele uma espécie de musa. Lutou e venceu; foi fazer a vida noutro estado, depois de aprovado em importante concurso. Anos mais tarde, conseguiu transferência para a sua cidade. Tinha ânsia de reencontrá-la, de, quem sabe, estabelecer novos elos, uma relação em profundidade. Nada mais sabia a respeito: alguém lhe dissera que ficara viúva, que já estava aposentada. Dados avulsos, ignorava se fidedignos.

Perguntava-se como estaria, após tanto tempo. Ainda lhe causaria o mesmo impacto? Poucos dias depois da volta, foi parado na rua por uma mulher miúda, um pouco curvada, sorrindo por trás dos óculos. Fixou-se nela, em dúvida sobre a sua identidade. Ela tratava-o com familiaridade, e ele foi aos poucos chegando à conclusão de que ali estava aquela que, ao longo dos anos, tanto significara para ele. Conversaram amigavelmente. Depois, ele saiu meio trocando as pernas, sentindo uma dor indefinida causada pelo desencanto. No mais fundo do seu eu, não se perdoava por ter sido tão tolo: como não se dera conta de que tudo muda? Naquelas circunstâncias, ambos certamente já não eram os mesmos que porventura tinham sido um dia.