Chuva de granizo

Da janela do quarto de meus pais, espio a rua de um pretérito imediato quase mais que perfeito. No golpe impreciso, a chuva de granizo, tão rara e incerta, que acaba de passar, há de ter feito muito estrago em roças, telhados, criações e a até a algum infeliz que tenha estado ao desabrigo no momento de sua fúria maior. Pois foi tão repentina.

Contrastando com a eventual desolação, ressalta a alegria incontida daquela menina dos cabelos tão negros, amarfanhados, Sulinha, a catar gelinhos arredondados que se acumulam aos pés das paredes - depois do impacto em que alguma lasquinha ao menos terão tirado dessa exibição dos homens.

Sem se imaginar percebida, Sulinha, com seu balainho, vai colecionando ovinhos, mercês dos céus, e, de vez em quando sem se perceber notada, prazerosamente dá-lhes u'a inocente lambidinha, e, ah, aí mareja, ressequida, a boca minha.

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 08/10/2013
Reeditado em 27/09/2022
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