Calças compridas

Eu tinha onze anos. E meio. Apenas concluíra o primário, e estava ali, naquela

janela de fim-de-ano, empenhado em preparar minha admissão ao ginásio,

frequentando curso noturno, no próprio prédio do ginásio municipal, na companhia

de gente grande.

Entrava pras aulas ainda no cair da tardinha e de lá saía de noitão. Já ia jantado e

desobrigado de lavar as vasilhas. Seria por ali, o caminho da alforria?

Era variada a turma, muita gente grande, já adolescente ou daí pra frente, e uns

tantos molecotes. No entanto, só a mim era reservada a distinção de ir de calças

curtas. O que já me dava certo desconforto, mas logo logo, eu me esperançava, iria

fazer jus às longas, pois o uniforme de ginasiano, feito soldadinhos de brim cáqui

não dava essas liberalidades...

Éramos instruídos em quatro matérias: Português, Matemática, Geografia e

História, por experientes professores que, aparentemente ganhavam algum

estipêndio para estenderem suas horas de magistério. Ou será que o faziam por

mero e vero diletantismo?

E foi numa aula de Português, ensinada pelo respeitável e severo professor

Newton, severo até em suas brincadeiras, que botei o dingo em uma de minhas

composições. Ele conhecia, vai ver também que andara lendo a mesma edição

do Readers´ Digest onde achei o meu dingo e me encantei com a história. Que

creio, era o relato do desaparecimento de uma criancinha de um acampamento na

Austrália. E a suspeita recaía sobre algum dingo, cuja fome não fazia distinções.

O professor não chegou a me elogiar pelo texto. Era fraco, longo e um tanto

impreciso. Mas ressaltou o dingo diante dos olhos estatelados de alguns dos

colegas, pro meu embevecimento. Que aliás durou um piscar de olhos. Em seguida

o professor Newton me chamava a atenção por ter mudado o nome da jovem

personagem da estória. Iniciava Suzana, virava Regina no final. Que aquilo?

Não revelei. E tampouco me decidi até hoje qual das duas a favorita dos meus

devaneios nos bancos do primário. Mas vamos em frente, não vou revelar, nem

relevar, tou louco pra usar as calças compridas.

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 28/09/2013
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