Em uma rua da pequena cidade, de moradores tranquilos e rotina pacifica, uma mudança estava prestes a acontecer. Horário de almoço, um caminhão de mudança pára em uma casa branca de portões verdes. Do caminhão saem os móveis dos futuros moradores daquela casa e daquela rua.
     Na rua, as pessoas olham curiosas, tentando imaginar os vizinhos que estavam acabando de ganhar. As crianças corriam por todos os lados, cochichos e gargalhadas corriam à solta!
_ Mary, vem ver a mudança... _ gritavam um grupo de crianças em uma casa próxima ao caminhão.
     Mary era uma menina sapeca e desengonçada que detinha o carinho e respeito de todas as crianças daquela rua, mais que isso, ela parecia realmente ser a capitã do quartel general do bairro. Lá vem Mary, toda desinteressada pelo acontecimento:
_ O que foi gurias?
_ Uma mudança, vamos ter novos vizinhos! _ falavam as meninas esbaforidas.
     No final da tarde, o caminhão já tinha se ido, e a movimentação de pessoas e coisas adentrando e saindo da casa, também já tinha cessado. Logo, as pessoas iam conhecendo os novos rostos da rua, e a mudança deixava de ser novidade para ser uma rotina comum e conhecida.
     Como de costume em todas as tardes daquela rua, as crianças estavam por ela correndo e brincando, tomavam as calçadas e se misturavam em cantorias e conversas que pareciam não ter fim. Esse costume foi quebrado, quando da casa recém povoada, sai uma garota com uma boneca na mão e um vestido rosa de cetim, senta na calçada e fica a dividir o olhar, ora para o céu e ora para a boneca e fiel companheira. Aquela cena se repetira por uma semana, e Mary, a capitã do bairro, já não estava satisfeita com aquela situação. Não conseguia entender o porquê daquela guria patricinha, não ter a procurado e pedido para entrar no grupo da criançada, pelo contrario, a guria parecia até alegre brincando com aquela boneca e olhando para o céu, e ainda por cima, arrancando elogios de todos: “A menina quetinha”, “Tão linda e comportada”, “Um exemplo para outras crianças” e assim por diante.
_ Ah não...! Isso não vai ficar assim, eu vou pegar aquela guria metida que não quer falar com a gente! Quem ela pensa que é...? Chegou um dia desses e já quer ser a boazona...
     Mary decidiu ir procurar papo com a guria, para saber, realmente, qual era a dela...
_ Não enjoa não é? Todo dia brincando com essa boneca antipática...?
     “É agora! Ela vai responder e eu pego ela... Todos vão acreditar realmente, que essa menina não tem nada de comportada, é fingida e metida, isso sim...” _ pensava Mary, enquanto aguardava a resposta da guria.
_ Não tenho nada melhor para fazer! Minhas amigas moram tão distantes daqui, só me resta brincar com a boneca mesmo...
     Não sei como e nem porque, mas o fato é que depois dali aquelas duas meninas se tornariam grandes amigas e companheiras de bagunça, para o espanto dos vizinhos que viram em poucos dias “a menina comportada” correndo e gritando, fazendo zuada com a gurizada da rua.
     Mary descobriu que o nome da guria era Ana... Na ocasião tinha comentado para ela, que achava Ana um nome estranho...
_Nome de velha! _falou Mary.
     Ana soltou uma gargalhada e disse que realmente não entendia porque criança tinha que ter nomes assim, e já ia falando as ideias e sugestões malucas:
_ Seria bom se as pessoas pudessem mudar de nome quando ficassem adultos e idosos... Cada pessoa teria direito a três nomes por vida! O que acha Mary?... _ e lá iam as duas, gargalhando pela rua...
     Aquelas duas garotas ficaram inseparáveis. Muitas travessuras e descobertas fariam juntas. Juntas, elas dividiram as piadas e as paixões musicais da infância, cantando bem alto os sucessos do RBD e colocando a criançada toda para cantar e aprender as coreografias. A paixão pelo RBD era tão grande que as duas decidiram criar uma banda, e depois de alguns dias pensando em um local para ser a sede, decidiram invadir uma casinha da esquina. Detalhe, a casa era abandonada, ou melhor, era povoada por uma família de abelhas e era o ponto de encontro dos cavalos e seus cocôs... Mas, era ali que a banda cover do RBD iria ensaiar e partir para o mundo, em busca de sucesso...
_ Primeiro o clube da cidade, depois veremos onde nos apresentaremos! _ e assim iam seguindo juntas, nos sonhos de infância.
     Certo dia, Mary achou um DVD de filme pirata jogado pela sua casa, aquele simples acontecimento, virava euforia nas mãos daquela menina... Juntamente com Ana, saíram chamando as gurias para assistir ao filme, e ao mesmo tempo iam fazendo a vaquinha para comprarem brigadeiro...
_ Lembra Mary? Aquele dia foi tão engraçado, o filme pirata até que era bonzinho, se não fosse o arranhão bem no final, que impedia de saber o final da historia. E o chocolate?
_ Comemos tanto que você ficou doente Ana!
     Nos momentos em que o excesso de chocolate fazia mal à Ana, lá estava Mary, afinal amigas são para essas coisas, para tomar a sopa insuportável que a mãe de Ana fazia, sempre que ela estava doente.
_ Tome Mary... Rápido, antes que mainha chegue!
_ Calma... Estou tentando... Você sabe que odeio verduras... Affs!
     Depois de recuperadas da dor de barriga e da sopa, já iam as duas novamente, aprontarem e se deliciarem das traquinagens da juventude. Juventude? È isso mesmo! À medida que iam vivendo, o tempo ia passando e as deixando mais altas e crescidas. As brincadeiras iam se diversificando, e o espírito juvenil de rebeldia ia chegando também. Já não perdiam o tempo com filmes e fascinações musicais, gostavam mesmo era de rodar patins pelas calçadas, para a perturbação de seu Filó, um quase velho rabugento que não suportava barulho e as algazarras da moçada.
_ Lá vem o dono da rua e do carro mais velho do mundo... _ gritava Mary, que logo era seguida por Ana, que fazia questão de continuar a pirraça:
_ Lata velha é pouco... Aí nem o Caldeirão do Ruck concerta!
     O dono da rua escutou? Claro, elas gritavam tão alto... Quando ele veio tirar satisfação, todo mundo negou: _ Ninguém chamou o carro de lata velha, imagina Filó... Aquela coisa linda! _ E saiam correndo pela rua, rindo da cara de tacho do quase velho enjoado.
   Outra vez, Filó veio reclamar porque a gurizada estava se molhando com a água que vazava de uma casa vizinha...
_ Vocês estão gastando a água da casa do homem! _ reclamava o dono da rua.
_ Mentira! A água está caindo por livre espontânea vontade... _ dizia Ana.
_ É! Ninguém moveu um dedo para ela cair, e já que estava caindo, para não desperdiçar, estamos tomando banho! _ continuava Mary, ainda embaixo da água.
_ Mas, você sabe que é errado não é Ana? Por isso que não está molhada... _ retrucava Filó.
_ Nada disso! Eu só não estou me molhando, pois estou gripada! _ respondia Ana, enquanto a criançada toda ria da cara do velho.
 Mais uma vitoria em cima do Dono da rua, que depois de algum tempo perderia a patente, pois quem seriam as donas da rua, eram Ana e Mary. Depois de muitas e muitas traquinagens elas acabaram vencendo de vez. O quase velho enjoado, Filó, decidiu ir embora da rua.
Assim seguiram aquelas duas garotas, uma ensinando Geografia para outra, a outra pintando as unhas da outra... As donas da rua, compartilhando infância, risos e recordações.
_Lembra Mary?
_ Hum...
_Eu sei que você odeia esse meu: Lembra?!
(risos duplo) Beijos... Me liga!

Jaqueline Costa
Enviado por Jaqueline Costa em 22/02/2010
Reeditado em 02/10/2010
Código do texto: T2102214
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